Efusão de Sangue nos Primórdios da Igreja
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- Segunda, 02 Julho 2018 09:00
Nos finais do mês de junho, a Igreja recorda, todos os anos, nomes importantes para a consolidação dos princípios da fé cristã, e os venera como irmãos santificados, tendo dado suas vidas, até o sangue, pela causa de Cristo.
A iniciar por dia 24, celebra São João Batista, o Precursor que preparou os caminhos do Senhor, viveu na penitência, na oração, anunciando um batismo de conversão. Foi elogiado pelo próprio Cristo nos seguintes termos: “Entre todos os nascidos de mulher não há ninguém maior do que João” (Lc 7, 28). E é destacado como superior a um profeta (cf Lc 7, 26). Morreu mártir, tendo sua cabeça cortada pelos soldados do irresponsável e corrupto Herodes (cf Mc 6, 14-29).
Dia 28, a liturgia apresenta o inolvidável Santo Irineu de Lyon. Teólogo de grande versatilidade, inconfundível na inteligência e na sabedoria, viveu no segundo século, entre os anos 130 e 202, quando foi também martirizado no tempo da perseguição de Septímio Severo (193 -211), depois de um apostolado intenso como presbítero e, posteriormente, como bispo de Lyon, hoje sul da França. Trata-se de um dos maiores intelectuais católicos de todos os tempos, tendo escrito muitas obras, entre as quais se destaca a famosa Adversus Haereses (Contra os Hereges), com a qual combate, sobretudo o gnosticismo, o montanismo, além de outras correntes heterodoxas. Membro do clero de Lyon, se destacava pela piedade e pela ciência, pelo pastoreio e pelo espírito missionário, o que lhe mereceu louvor extraordinário dado pelos seus irmãos presbíteros, em carta que escreveram ao Papa Eleutério, em 177. Foi discípulo de São Policarpo, que por sua vez tinha sido discípulo de São João Evangelista, o último Apóstolo a morrer. Por causa de suas qualidades espirituais e humanas, Irineu foi escolhido para suceder a São Potínio, também este martirizado, na sede episcopal de Lyon.
Foi importante a sua intervenção junto ao Papa Vitor I, no ano de 190, na questão da liturgia da Páscoa, quando algumas comunidades da Ásia Menor teimavam em celebrá-la em data fixa, chamados quartodecimanos, correndo o risco de excomunhão. A intercessão de Santo Irineu os livrou disso.
Martirizado, o corpo de Santo Irineu foi depositado respeitosamente na Catedral de Lyon, onde permaneceu intato até 1562, quando os huguenotes o roubaram e destruíram.
Por fim, dia 29 celebram-se as festas maiores desta ocasião médio-anual, quando os cristãos honram solenemente a São Pedro e a São Paulo, recordando os sublimes ministérios de governo e pastoreio da Igreja em todo o universo, na pessoa de Pedro e o primeiro grande missionário da fé cristã que foi Paulo.
Ambos também foram marcados pelo derramamento de sangue, sendo Pedro crucificado e Paulo decapitado.
O sangue derramado por estes baluartes da fé no começo do cristianismo é sinal evidente da união plena com Cristo, que também deu seu sangue na cruz para a salvação de todos.
O testemunho dos santos se revelou como extraordinária fortaleza para as comunidades nascentes que iam crescendo a cada dia. Por isso, Tertuliano, outro grande teólogo dos primeiros séculos, dizia: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.
Os seguidores de Cristo hoje também são desafiados e tem crescido o número de mártires do amor de Cristo, por causa de ondas de paganismo que se propagam pelo mundo e às vezes infiltram até mesmo entre comunidades ditas cristãs
O dia de São Pedro e São Paulo, por causa de sua importância e por ser ocasião de preces especiais pelo Papa, celebra-se no domingo mais próximo, sendo no corrente ano, dia 1º de julho.
Os tempos podem ser difíceis, mas a nossa fé inabalável em Deus nos anima e nos garante que também na época atual Cristo está no meio de nós, pois afirmou: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28, 20).
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Fé na Copa do Mundo
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- Segunda, 25 Junho 2018 13:21
A Copa Mundial de Futebol mexe com todo o globo terrestre. Do oriente ao ocidente, do norte ao sul, dos países pobres aos países ricos, negros, brancos, amarelos e vermelhos, culturas se encontram e, em geral, reina a paz.
Paro um pouco diante de atitudes religiosas dos jogadores e das torcidas. Vindos de crenças diferentes, assistimos, não raras vezes, expressões de fé e gestos de oração que aparecem nas telas da mídia. Certamente, muitas não são focalizadas e tantas são guardadas apenas no segredo da mente e no silêncio do coração. Diz o ditado: “Coração dos outros é terra a que ninguém vai”. Entre os torcedores, são muitas as expressões espirituais e há gente que até faz promessa para sua esquadra ganhar.
No dia 18, segunda-feira passada, a seleção do Panamá, que estreava no campeonato mundial, mesmo tendo sido derrotada pela Bélgica por três a zero, se ajoelha para rezar em ação de graças.
Que gesto bonito! Lembrei-me de uma frase escrita numa quadra de futsal, na cidade de Divinópolis, onde, adolescente, fazia meu curso ginasial. Estava escrito algo assim: “Mais importante que vencer é competir”. Entendi, diante do gesto eloquente do time do Panamá, que competir já é vitória, pois estar ali é sinal de que se encontra entre os melhores do mundo. E quando vi que jogaram bem, mas não conseguiram fazer nenhum gol, concluí que mais vale a vitória da honra que o sucesso nas disputas, e que mais alto que as recompensas humanas, está a fé que nos faz superar momentos de eventuais derrotas no caminhar da vida. Na verdade, muitas coisas que parecem derrota, muitas vezes vão se revelar como vitória mais à frente. Quem é cristão entenderá bem isto, pois em Cristo tal fato se evidenciou inconteste.
Naquele mesmo jogo, uma cena chamou a atenção do mundo e emocionou os que têm fé. Um jogador da Bélgica e outro do Panamá, sem nem perceber o que o outro estava fazendo, ao mesmo tempo, e muito próximos um do outro, se ajoelham para rezar. São dois países cristãos. Certamente aqueles atletas receberam educação religiosa de suas famílias, e no coração percebem, desde a infância, que Deus está e deve estar sempre em primeiro lugar em tudo. Nada pode, de fato, se antepor a Deus em nossa vida e nem em nossas competições. Fazendo o sinal da cruz, com o qual ambos se persignaram, expressam sua fé católica.
Mas vemos também expressões típicas de outras correntes cristãs, como protestantes, pentecostais, ortodoxos e não cristãos. São sinais inequívocos de que, além das disputas esportivas, além do desejo legítimo de ganhar o título e levar a taça, há no coração humano algo maior, mais importante, duradouro e invencível, que é Deus.
Reveste-se de sacralidade também o gesto de solidariedade praticado pela Islândia, que pousou com uma camisa estampada com o nome de Carl Ikene, nigeriano, goleiro da esquadra, porém que não pode ir à Copa da Rússia por causa de um câncer, contra o qual está lutando com pesados tratamentos.
São Paulo Apóstolo se serviu desta realidade para expressar sua firme convicção, ao fim do jogo da vida. Escrevendo a Timóteo, professa: “Combati o bom combate, terminei minha corrida, guardei a fé. Desde agora, me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia, não somente a mim, mas também a todos os que tiverem esperado com amor a sua volta” (2ª. Tim 4, 7-8).
Também através das copas, Deus se manifesta carinhosamente aos seus filhos.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Vida Monástica, Eloquência do Silêncio e Alicerce da Igreja
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- Terça, 19 Junho 2018 10:18
A vida contemplativa é um dos maiores dons que Deus tem dado à Igreja. Nela o silêncio fala. Através dele se pode escutar a Deus, ouvir seus segredos de amor incondicional. No mundo tão barulhento da atualidade, encontra-se nos mosteiros o oásis da paz, frente às frustrações mundanas, o ensurdecedor barulho das coisas frívolas e a aridez das coisas materiais.
À entrega total e indivisível a Deus, pelos votos da Obediência, Pobreza e Castidade, diariamente renovados no silêncio da alma, corresponde também um natural desafio para enfrentar as forças negativas do egoísmo, do egocentrismo, da vaidade, do orgulho, dos desânimos e de tantas outras situações desafiadoras.
O lema Ora et Labora (Reze e Trabalhe) de São Bento de Núrcia (480-547), considerado Pai dos Monges do Ocidente, imprime no coração dos seus filhos e filhas que vão se multiplicando na história desde aquele século 5º, o sentimento de que tudo o que fazem é para Deus e só para Deus. O pensamento prossegue ao se ler na Regra Monástica a expressão Christo nihil praeponere (Nada se anteponha a Cristo), utilizada antes por São Cipriano (250-304) e Santo Agostinho (354-430), mas revalorizada por São Bento, impulsionando os homens e as mulheres dos claustros a não descuidarem deste princípio diante de tudo o que devem realizar. Contemplar o rosto de Cristo antes de qualquer decisão é sinônimo de segurança e antecipação da vitória, pois quem segue a Cristo nunca erra o caminho, nunca foge à verdade e experimenta a vida que nem a morte destrói.
Nos umbrais da entrada da Arquiabadia do Monte Cassino, na Itália, onde se encontram os restos mortais de São Bento e de sua irmã gêmea, também monja, Santa Escolástica, se lê a máxima “Succisa Virecit” (cortada reverdece). O dístico latino traduz a certeza do monge e da monja de se disporem ao serviço de Deus sem medo e sem preocupações, pois quando se sente a dor dos cortes, nos caminhos do amor divino, tem-se certeza absoluta de que algo melhor virá, uma vez que a planta, quando podada, toma novo vigor para dar frutos mais belos, mais abundantes e mais saborosos. Como tudo mais nos mosteiros, isso está em plena sintonia com o evangelho, onde Cristo afirma: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o poda para dar mais fruto ainda” (Jo 15, 1-2).
Nossa cidade de Juiz de Fora é agraciada por ter em seu recinto urbano um destes lugares santos, recanto de paz espiritual, de estudo e vivência diuturna da Palavra de Deus, de genuína liturgia, que é o Mosteiro de Santa Cruz, da Ordem Beneditina feminina.
Na continuidade da obra santa de Madre Paula Iglésias, que conduziu o Mosteiro por 29 anos e depois de seu falecimento ocorrido no dia 23 de abril último, foi eleita nova Abadessa na pessoa de Madre Maria de Fátima, cuja bênção abacial recebeu no dia 9 de junho. Feliz coincidência fez com que esta liturgia viesse a ser celebrada na memória do Imaculado Coração de Maria, pois nada é mais belo que contemplar o coração de uma mãe, melhor ainda sentir o pulsar do coração da Mãe de Deus e nossa, da Mãe da Igreja que é perpétua inspiradora da missão das abadessas, nos cuidados maternos de suas coirmãs, no Mosteiro que Deus lhes entrega para coordenar e presidir. A palavra “abadessa” significa “mãe”, termo originário da língua hebraica. Maria, que se colocou plena e indivisivelmente à disposição do Altíssimo, é o modelo acabado para a vivência do lema abacial escolhido pela nova Abadessa: “A serviço de Deus”.
Os mosteiros, locais privilegiados de oração e silêncio, funcionam, na Igreja, como raízes da árvore e alicerce do edifício, pois, ainda que escondidos, são básicos para a vida da mística planta e para a segurança da construção eclesial.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
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