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Purificando a nossa fé

DSC 0176Na caminhada quaresmal, a Igreja apresenta também o intrigante episódio da expulsão dos vendilhões do templo, praticado com veemência por Jesus. Os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João) apresentam Jesus indo a Jerusalém para celebrar a Páscoa. Porém, ao aproximar-Se do Templo, encontra no pátio dos gentios uma cena contraditória à fé e ao espírito de oração: um comércio desrespeitoso e impróprio para o local. Com seu gesto forte, purifica o Templo, expulsando dali vendilhões e cambistas.

Mas por que Jesus se irrita? A única resposta a essa pergunta é por não aceitar que usassem local sagrado, destinado ao culto, para fazerem tal atividade. O local onde os vendilhões estavam era, na verdade, não dentro do templo, mas numa praça interna onde os gentios podiam rezar. Gentios eram aquelas pessoas que não pertenciam à raça judaica, mas provenientes de outras etnias que passavam a crer em Deus único e verdadeiro, anunciado pelos judeus. Os gentios, por lei, não podiam entrar no recinto da celebração judaica, mas podiam rezar no referido pátio e ali escutar a Palavra de Deus lida no interior do templo. Era, portanto, um lugar de acolhimento de estrangeiros e de pessoas de várias raças e nações. Esse ambiente de acolhimento agradava a Jesus que veio para todos e não para alguns. Ele mesmo dizia, não vim para salvar os justos, mas os pecadores (cf. Mt 9,13).

Voltando ao ambiente contraditório onde se encontrava o desajustado comércio, vejamos como seria difícil rezar num local de barulho e até de gritaria de comerciantes oferecendo suas mercadorias, de animais que berram e de movimentação mercantilista o dia inteiro?! Afinal, aquele ambiente era muito mais a imagem da ganância dos comerciantes, que punham seus lucros acima do valor espiritual, da oração e escuta da Palavra de Deus. Por isso, Jesus os expulsa com esta severa expressão: Não façais da casa de meu Pai um comércio (cf. Jo 2,16). A atitude de Jesus é de purificação do Templo e mais ainda de purificação da fé. Os três evangelistas sinóticos usam expressão ainda mais contundente: Tirai isso daqui. Está escrito: minha casa é casa de oração e vós fizestes dela um covil de ladrões. (cf. Mt 21,13; Mc 11,17; Lc 19,46).

Jesus foi instado pelos chefes do templo, sobre com que autoridade fazia aquelas coisas. Certamente os chefes se irritaram com o gesto de Cristo, pois eles mesmos autorizavam os comerciantes a porem ali as suas bancas. Mas Jesus leva-os a refletir sobre um outro aspecto mais profundo, para responder à pergunta “Com que autoridade faz estas coisas”. Destruí este templo e eu o reedificarei em três dias. Retrucaram: “Como podes construir outro templo como esse que foi construído em 46 anos?” (cf. Jo 2, 18-20). Ele falava do templo de Seu corpo que iria ser maltratado, agredido, destruído e morto, mas ressuscitaria ao terceiro dia.

Lembrava, como falou à Samaritana, que: Chegará o tempo e já chegou em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade (Jo 4, 24). Jesus chama atenção para Si mesmo como templo de Deus. Estar em Cristo é estar na comunhão com Deus. Mas também nós, dirá São Paulo, somos templos do Espírito Santo (I Cor 6, 19). Se não entendermos isso, nossos lugares de culto também perderão seu sentido.

Entre as leituras bíblicas é apresentado também o capítulo 20 do Livro do Êxodo, que registra o decálogo dado por Deus a Moisés no Monte Sinai. São os dez mandamentos que nos ensinam a colocar Deus em primeiro lugar, amar o próximo, respeitar a família e à propriedade alheia, vivendo em harmonia e honestidade com todos, buscando a via da santidade. Também encontramos textos das cartas de São Paulo, como a 1ª Carta aos coríntios, em que o apóstolo dos gentios diz “nós proclamamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus, sabedoria de Deus” (cf. I Cor 1,23-24). Vemos aí, outra vez, a presença de judeus e de gentios tratados no mesmo nível, indicando que a salvação que Cristo veio trazer é para todos e não para uma raça escolhida.

Eis aí o sentido quaresmal destes textos: somos chamados a purificar a nossa fé e nosso relacionamento com o próximo, num ideal de unidade como o Senhor desejou e rezou: Que todos sejam um como eu e tu somos um (Jo 17,21). A quaresma é oportunidade de valorizar as coisas espirituais acima das coisas materiais, a compreender que Cristo é nosso Salvador, nos purifica, nos santifica com seu sangue derramado na cruz e nos liberta do mal, do pecado e da morte, ressuscitando ao terceiro dia. Pela sua ressurreição também nós ressuscitaremos num processo de metamorfose espiritual, para viver eternamente na realidade definitiva do céu.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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