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A Páscoa da Ressurreição, nossa esperança

DSC 0720A nossa Páscoa é Jesus Cristo. A Páscoa cristã se baseia na páscoa dos hebreus presente no Antigo Testamento. Nesta, observamos a prefiguração da realidade futura que é a imolação de Cristo na cruz. O sangue de um animal irracional não seria suficiente para eliminar o pecado. Somente Cristo, Filho de Deus que se fez homem, vai ser capaz de, pelo seu sangue derramado, eliminar a força do pecado e da morte e libertar a pessoa humana, abrindo para ela, novamente, as portas do Paraíso. Ele é o verdadeiro Cordeiro Pascal.

Pelas leituras bíblicas, observa-se que os Apóstolos, mesmo na constatação dos fatos, ainda não entediam bem o que era a ressurreição, ainda que Jesus tivesse se referido a ela em suas pregações, como se pode ver no evangelho de São Lucas: “O Filho do Homem será morto, mas ressuscitará” (cf. Lc 9,22).

Na manhã da ressurreição as mulheres foram ao túmulo e constataram que estava vazio, não percebendo o que havia acontecido. Porém, o próprio Cristo se apresenta vivo a elas, manifestando-se, posteriormente, durante 40 dias, aos Apóstolos e a muitas outras pessoas. Paulo diz aos coríntios que Jesus se apresentou ressuscitado a mais de quinhentas pessoas (cf. I Cor 15, 16).

Os Apóstolos puderam ver, tocar em seu corpo, observar suas chagas, ouvir a sua voz. Um dos elementos caraterísticos das aparições é o aspecto da comensalidade. Em quase todas as manifestações, o Senhor toma refeição com eles, partindo o pão, tomando vinho, comendo peixe. A Igreja vê nestes aspectos a imagem da Eucaristia que ela celebra desde os primeiros dias, como presença viva e contínua do Senhor.

Os Apóstolos poderiam imaginar que a ressurreição fosse apenas uma recordação, a presença da alma de Cristo. Porém, esta explicação não corresponde à realidade, pois a alma não morre. Na verdade, o que eles viram foi o corpo com os sinais da paixão. Um corpo, certamente, diferente daquele anterior, no sentido em que é um corpo glorioso, mas com as mesmas características por eles plenamente reconhecidas. Esse mistério é o fundamento da fé cristã. Trata-se de algo sobrenatural que supera os limites da natureza. São Paulo, escrevendo aos Colossenses, diz: “Se ressuscitastes com Cristo, agora pensai nas coisas do alto, não nas coisas da terra somente” (cf. Cl 3,1). Na verdade, Deus criou o homem e a mulher para serem transformados, para viverem eternamente. O ser humano é um sempre “vir-a-ser”, nos ensina a Filosofia.

O testemunho inequívoco dos Apóstolos e das santas mulheres é a base da fé anunciada e transmitida pela Igreja durante a história. Sem tais testemunhos, a fé cristã seria inútil. O anúncio da ressurreição vem sendo transmitido pela Igreja de geração em geração.

Ainda vivendo as alegrias pascais, que duram 50 dias como se fossem um único domingo, relembremos o Salmo 117: “Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele exultemos”. A ressurreição do Senhor é nossa esperança, diz Santo Agostinho. Celebrá-la é reconhecer que Deus não desiste de nós, mas espera-nos um dia, na casa eterna, onde viveremos para sempre com ele e os santos que já gozam da visão beatífica.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Encontrar Jesus nos caminhos da salvação

Encontro-de-Jesus-e-sua-MaeNão sabemos se o encontro de Jesus e Maria se deu no Calvário ou nalgum estágio deste doloroso caminho. O que importa é que, em algum momento, ele aconteceu e se assim foi, algo forte ele representará na vida de fé de cada um de nós que procuramos, embora pecadores, seguir os caminhos do Filho de Deus encarnado.

Para preparar-nos, podemos recordar de tantos outros encontros que Jesus teve em sua vida, aos quais marcou com sua misericórdia e sua bondade. O encontro com os discípulos dos quais escolheu 12 para serem seus apóstolos: vem e segue-me (cf. Mt 9,9); estes são encontros vocacionais que ilustram e alicerçam nossa ação pastoral no corrente ano de 2023, Ano Vocacional Brasileiro, instituído pela CNBB, com o lema “Corações ardentes, pés a caminho”, evocando o maravilhoso encontro pascal de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35).

Contemplemos o encontro de Jesus com cegos, coxos, paralíticos, surdos e endemoniados. Recordemos os encontros de nosso doce Jesus com várias mulheres a quem ele salvou com sua graça: a adúltera do capítulo 8 de São João: ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e de agora em diante não peques mais (Jo 8, 10). Recordemos o encontro com a Samaritana, a quem ele ofereceu a água que jorra para a vida eterna (cf Jo 4,1-42).

Recordemos o encontro de Jesus com a mulher encurvada a quem ele desencurvou, tornando-a ereta para si e para Deus, livre tendo ficado de um fluxo de sangue que há 12 anos a atormentava, pois, pela sua fé e humildade, pode ouvir dos lábios sacrossantos do Divino e Misericordioso Mestre: "Minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fica curada de teu mal” (Mc 13, 34). A todas essas pessoas, olhou com olhar de compaixão, as reergueu de suas condições humilhantes, as curou de suas enfermidades físicas ou espirituais, as libertou do mal e as colocou em nova realidade.

Também Maria não encontrou Jesus somente uma vez, mas sua vida se compõe de uma sequência de encontros que se iniciam na anunciação do Arcanjo Gabriel, com o seu “Sim” total e indiviso a Deus, quando pronunciou a frase que se tornaria o lema de toda a sua vida: Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38). A decisão de seguir para sempre a vontade de Deus faz eco também na vida de seu castíssimo José, que, com a mesma maturidade humana e religiosa, assume as indicações de Deus Altíssimo que os escolheu.

Maria encontra vez primeira com o rosto físico de Jesus na manjedoura de Belém. Também o encontra, já prenunciando as dores fortes do futuro, no Templo de Jerusalém aos 12 anos, quando o perderam na multidão, estando já em viagem de retorno, após os dias festivos da Páscoa. Porém, durante a Semana Santa, presenciamos um encontro especialíssimo, cheio de dor, angústia e sofrimento, que Maria teve com seu Filho no momento da crudelíssima paixão que culminou com a morte.

A coroação de espinhos, longe de ser feita com um simples diadema de ramos pontiagudos como vemos nas representações da arte, era feita com um emaranhado de espinhos grandes que rodeavam todo o crânio, como um capacete, dominando terrivelmente toda a cabeça, da testa à nuca, de um lado ao outro, muitas vezes chegando a cobrir as orelhas. A profusão da hemorragia craniana banhava todo o rosto e os ferimentos provocados por golpes de paus sobre o maxilar e o nariz deixavam o sentenciado em estado irreconhecível. Daí se pode compreender a profecia de Isaias: Não havia nele beleza nem formosura, e vimo-lo, não tinha aparência do que ele era… Era o mais desprezado e abandonado de todos, homem do sofrimento, experimentado na dor, indivíduo de quem as pessoas desviam o olhar… (Is 53, 3).

Foi esta a figura que Maria viu e assustada contemplou, na estrada da amargura, quando se aproximava do Calvário. Foi este o espanto que lhe causou a crueldade praticada sobre o seu divino Jesus a quem vira com o rosto tenro de criança quando corria e brincava na casa de Nazaré, ou o porte esquio do adolescente que encontrou no templo aos 12 anos. Que diferenças terríveis entre o que via na rua do suplício e o rosto maravilhoso de seu Filho quando pregava às multidões ou erguia o poderoso aceno para libertar dos demônios os possessos, ou erguer do leito os entrevados, ou ainda quando tomou do pão e o fez seu Corpo e do Vinho, o seu divino Sangue! Podemos compreender agora o que significa a espada que atravessava o coração de mãe desta Senhora das Nações, colocada sob tributos, e submetida a verdadeira escravidão.

Olhemo-nos com o mesmo olhar de Maria a Jesus, para podermos também nós nos associarmos a eles. Olhemos Maria com idêntico olhar de Cristo, para amarmos sempre com maior fervor aquela que o Pai escolheu para ser a mãe do Salvador, nossa Mãe e Mãe da Igreja: Mater Salvatoris, ora pro nobis; Mater Nostra, ora pro nobis; Mater Ecclesiae, ora pro nobis.

Encontrar Jesus significa abraçar suas palavras, acolher amorosamente sua doutrina, assumir as dores para apagar nossos pecados, atentos ao que ele disse: quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz, a cada dia e me siga (Lc, 29,23). Morrer com ele significa assumir a fidelidade que Maria ensina com seu proceder indefectível.

Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Quaresma e CF sobre a fome

DSCN2146Com o sagrado Rito das Cinzas, iniciamos a Quaresma. Ouvimos do Ministro: “Lembra-te que és pó e em pó te tornarás” (Gn 3,19). Recordar a fragilidade da vida humana impele a reconhecer que o apego material será sempre um contrassenso e a falta de partilha do que se tem com o que nada tem ou pouco possui será, no mínimo, sinal de desajuste. Para esses e para todos, a outra forma da imposição das cinzas é um forte convite: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

A preocupação com os pobres e os que não têm o que comer é um dever de quem acredita em Cristo, que ensinou a amar ao próximo e asseverou que só entrarão no céu os que dão de comer a quem tem fome (cf. Mt 25, 35) e cumprirem as demais obras de misericórdia elencadas a seguir.

A Igreja ensina à sociedade e aos governantes que a pobreza é um problema real e uma situação séria que deve ser resolvida. A Igreja não trata os problemas sociais da mesma forma que os políticos ou as ONGs. Ela tem seu método próprio, pois parte da fé, da Palavra de Deus e não simplesmente de frios dados sociológicos.

Saibamos separar política, fanatismo político e reais problemas das pessoas sofredoras. A Doutrina Social da Igreja não é um programa político ou ideológico, mas uma forma cristã de analisar as relações humanas a partir da Palavra de Deus, da pessoa e dos ensinamentos de Cristo. Ela não só faz caridade aos pequeninos, mas ajuda a sociedade a descobrir as causas da fome, procurando, pelos meios pacíficos e eficazes, a solucionar essas graves questões.

Há aqueles que não acreditam que haja fome e há aqueles que instrumentalizam a fome para interesses pessoais ou políticos. À parte certos abusos na manipulação dos dados por motivos ideológicos, a fome existe para muita gente. Só não acreditam que haja fome aqueles que têm o que comer todos os dias para si e sua família.

O combate à desnutrição vem sendo feito exemplarmente pelos cristãos desde o começo do cristianismo e muitas mudanças na história da humanidade foram provocadas pelo exemplo profético dos fiéis seguidores de Cristo. Neste presente ano, depois de duas outras campanhas sobre o mesmo tema, em 1975 e 1985, a Campanha da Fraternidade nos propõe, outra vez, o grave problema da fome, indicando como lema a palavra de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). Certamente não será a última vez. Oxalá fosse!

Porém, a CF não esgota o sentido amplo da Quaresma. É preciso mergulhar por inteiro na vida de oração e na prática sincera da penitência, tendo em vista a Semana Santa e a Páscoa que se aproximam. A Quaresma é um tempo santo que nos põe na presença de Deus e do próximo, sobretudo dos que dependem de nossa esmola, de nosso socorro fraternal. É um itinerário com Jesus que viveu pobremente, nos ensinou a amar e servir e, nos quarenta dias de deserto, nos possibilitou saber o valor do jejum, da penitência e da oração.

Vivamos bem esse tempo forte, procurando nos converter a cada dia, a perdoar a quem nos ofende, para que, purificados, celebremos bem os Santos Mistérios da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Boa e santa Quaresma.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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