Seduziste-me, Senhor
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- Quinta, 27 Agosto 2020 12:07
No último domingo do mês vocacional celebramos o dia nacional do Catequista. Não há como falar de vocação e missão na Igreja sem falarmos dessas pessoas que são tão importantes para o crescimento na fé de nossas comunidades e de nossa vida cristã. Neste domingo, queremos registrar o nosso enorme agradecimento a todos esses nossos irmãos e irmãs na fé que abraçaram a missão de nos levar a conhecer e aprofundar a nossa vida de fé, ajudando a tantas pessoas a acolher a mensagem da Revelação Cristã e a vivenciar a vida cristã. Vale a pena recordar a publicação do Novo Diretório Geral da Catequese, este grande instrumento que vai auxiliar nossa caminhada de Evangelização, sempre levando em conta que novos tempos mudam com muita rapidez diante de nós, exigindo estar sempre atualizados.
Hoje é também uma ocasião propícia para que nos recordemos dos nossos catequistas, seja nossos pais, nossos primeiros catequistas, nossos catequistas para a primeira comunhão e crisma ou os catequistas que nos prepararam para a recepção dos demais sacramentos. Façamos um exercício de memória e procuremos recordar de seus nomes e rezemos por eles. A catequese, em sua relação com a evangelização, tem a grande tarefa de nos incentivar a conhecer a fé e a fazer com que a fé se traduza na vida.
Não podemos deixar de mencionar a criatividade que atualmente tem sido utilizada por tantos catequistas nestes tempos diferentes de pandemia, utilizando de diversos meios para que a mensagem do Evangelho continue a chegar aos corações dos catequizandos. Demos graças a Deus por estes nossos irmãos e rezemos de forma especial por eles neste domingo.
A Palavra de Deus dirigida a nós neste 22º Domingo do Tempo Comum nos revela a pessoa de Jesus que veio para dar a Vida! No Evangelho (Mt 16,21-27) vemos duas partes bem marcadas: a primeira, Jesus que faz o anúncio de sua Paixão ao se dirigir a Jerusalém, recebendo o protesto de Pedro ante a verdade comunicada. Pedro é logo repreendido por Jesus ao protestar com Jesus pelo motivo de sua ida a Jerusalém. Na segunda parte, Jesus que apresenta claramente o caminho da cruz para todo aquele que o quiser seguir.
Muitas expectativas colocadas sobre Jesus eram as de que ele seria um libertador político, um rei descido dos céus que viria para libertar Jerusalém do jugo dos romanos. Em suas palavras e em seus gestos, Jesus mostra que é muito mais do que um libertador político: sua missão está em levar os homens a ter um coração e uma vida nova, vivendo a bondade e a pureza de coração. Jesus não veio somente para aquela situação política concreta. A missão de Jesus é muito mais ampla do que aquela mera dimensão histórica concreta. Jesus mostra a verdadeira libertação que precisa acontecer, a libertação da vida e do coração do homem. Com homens e mulheres novos é que o mundo poderá mudar mesmo.
A segunda parte do Evangelho vem exatamente motivada pelo espanto de Pedro ante a manifestação da real missão de Jesus. Jesus mostra que o mundo será transformado pela entrega e que o cristão há de transformar a sua realidade concreta através da entrega de sua vida, seguindo uma lógica bem diferente da que é propagada, pois quanto mais se dá a vida, mais se tem a vida.
O Evangelho fala de duas lógicas sem acordo: não se pode abraçar a sede louca do mundo de se dar bem a qualquer custo, de possuir tudo, de viver sempre no sucesso e no acordo com todos e, ao mesmo tempo, ser fiel ao Evangelho que vai numa outra direção. Vale para nós – valerá sempre – o desafio de Jesus: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” Queridos irmãos e irmãs, olhemos o Cristo, pensemos no seu caminho e escutemos a palavra do Senhor a nós, seus discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la!”
É exatamente neste sentido, na vivência de uma nova lógica que traz a verdadeira vida, que a segunda leitura (Rm 12, 1-2) vai nos convidar a não nos conformarmos com esse mundo, mas olharmos para Ele e para a missão de uma forma nova. Se fizermos o bem e pregamos o amor, estamos no caminho, mas, se porventura fraquejamos, tenhamos força no Senhor para fazer à vontade d’Ele. É necessário sempre para cada um de nós a humildade e a força de sempre fazer a vontade de Deus.
Essa coragem de viver a nova lógica proposta pelo Evangelho é o que Jeremias nos relata na primeira Leitura (Jr 20,7-9), onde o profeta fala que foi seduzido pelas maravilhas do Amor de Deus, e mesmo tendo de fazer a experiência da maldade dos homens, mesmo se cansando, a ação do Espírito o anima a seguir adiante. A experiência da maldade no mundo nos desgasta e nos faz pensar em desistir. Deixemos que a Graça do Senhor nos sustente.
Chegando ao final do mês vocacional, especialmente neste domingo, demos graças a Deus por todos os nossos irmãos catequistas, pedindo ao Senhor de guardar a cada um deles e sustentá-los me sua missão. Não deixemos de rezar por todas as vocações, pois esta deve ser tarefa constante da vida da Igreja. Durante esta semana, rezemos em especial pelo nosso seminário, que no próximo sábado completa 281 anos de fundação. Rezemos também pelos nossos seminaristas que serão ordenados diáconos também no próximo sábado. Preparemos nossos corações para a vivência do mês de Bíblia, que será vivenciado em setembro, onde teremos a oportunidade de refletir e aprofundar a presença da Palavra de Deus na vida e na ação da Igreja.
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro
Os chinelos do Cura d’Ars
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- Quarta, 05 Agosto 2020 12:16
Como foi bela aquela viagem! Comigo foram quatro colegas, quando estudávamos em Roma. O calendário primaveril da Europa, marcava o dia 5 de abril de 1991. Eram os primeiros dias de Páscoa, quando as faculdades romanas oferecem férias festivas de uma semana. De Paris, tomamos um trem muito veloz que nos levou a Lion, depois Besançon e por fim, Ars, pequeno povoado cujo nome oficial é Ars sur Formans, comuna da França, do Distrito de Ain. Estávamos muito desejosos de visitar a pequenina paróquia onde viveu e se santificou Padre João Batista Maria Vianney, que se tornou conhecido em todo o mundo como o Santo Cura d’Ars.
Ao visitar sua casa paroquial, singela e pobre, adentramos seu quarto. Chamou-me logo à atenção o seu par de chinelos, debaixo da cama, ali conservado desde seu falecimento, em 4 de agosto de 1859. Como o chapéu toma a feição do dono, segundo o adágio popular, aqueles chinelos, feitos de tapete, revelavam os pés missionários do sacerdote. Lê-se em sua história que teve que atender a várias comunidades na região e, na maioria das vezes, ia a pé, quando muito, de carroça, levando sua volumosa valise com os objetos litúrgicos para a missa. De súbito, me veio à mente e ao coração as palavras do Profeta Isaías: “Quão formosos, sobre os montes, os pés dos que anunciam as boas novas; que trazem boas notícias, que proclamam a salvação; que dizem a Sião: o teu Deus reina! ” (Is 52,7). São Paulo, mais tarde, em sua carta aos Romanos, vai citar esta frase aplicando aos que pregam o Santo Evangelho de Cristo (cf. Rom 10,15).
Nascido aos 8 de maio de 1796, em plena revolução napoleônica, com tantos sofrimentos para a Igreja, o menino João Vianney desejou, desde muito cedo, ser padre. Família muito pobre, mas rica de fé e amor a Deus, somente aprendeu a ler e a escrever aos 18 anos. Estudando entre os feixes de feno, para não ser surpreendido pelas autoridades anticlericais, mal aprendeu o latim e não foi aluno brilhante em nenhuma matéria. Os seus reflexos luminosos estavam na alma, na sinceridade do caráter, na vida moral exemplar, sobretudo na vida intensa de oração. Apresentado por um padre, seu bom jeito de ser na juventude, sua assiduidade e gosto pelos ambientes religiosos, foram suficientes para convencer o bispo de ordená-lo, embora já se previsse para ele lugares humildes e nenhum destaque na organização pastoral. Ordenado, foi designado para a desprezível Ars, aonde nenhum padre desejaria ir. O lugar não contava mais que 300 habitantes, a vida do povo não ia além de bordéis, futilidades, bebidas alcoólicas e pouca religião.
Os pés do jovem sacerdote se puseram à estrada, enquanto a mente e o coração somente lhe inspiravam ardor nas coisas de Deus. Ia rezando e, confessou mais tarde: “a oração me traz alegria e nela nem vejo o tempo passar”.
Como Deus não precisa dos humanos, mas os humanos que precisam de Deus, aquele humilde servo se transformou numa inesperada e extraordinária atração para multidões sedentas de fé. De todas as partes da França e da Europa inteira, chegavam caravanas, não só de simples fiéis, mas também de padres, bispos e cardeais, para confessarem seus pecados, receberem a absolvição sagrada e se aconselharem para o prosseguimento da vida. Sua união com Deus era tão intensa, visível e natural, como dois pedaços de cera que, uma vez misturados, não mais se vê diferença e ninguém mais pode separar. Esta imagem foi usada por ele mesmo, quando pregava aos seus paroquianos sobre a oração. “Rezar e amar, eis o segredo da vida do cristão”, dizia ele.
Certa vez, foi a Ars um professor de Paris com o propósito de analisar, do ponto de vista sociológico, o fenômeno das multidões atraídas por um simples pároco rural. Voltou silencioso. Seus alunos lhe perguntaram: “o que viu em Ars?” Quebrando o segredo de sua transformação interior, lhes respondeu: “vi a Deus em um homem”.
Além de seus chinelos, chama à atenção do observador em Ars, o duro confessionário formado por banco de madeira e uma grade que se ergue à direita, onde o santo passava, às vezes, 18 horas em atendimento.
Ao lado da matriz paroquial, encontra-se ampla construção. É o orfanato que o Santo Cura d’Ars construiu com esmolas que povo lhe dava, para acolher crianças pobres. Chamou-o de “Casa da Providência”.
Com meus colegas de viagem, todos presbíteros, tivemos a graça de celebrar a missa diante de seu corpo conservado, recoberto de camada de cera. O bondoso sacristão, com gentil acolhida, nos trouxe o cálice sempre utilizado pelo Santo, para que, com ele, oferecêssemos o santo sacrifício de Cristo. Emocionante!
Ao retorno, nossos pés pareciam calçados de seus chinelos, ensinando-nos lições de humildade, simplicidade, oração e amor a Deus. Mistérios da santidade. Modelo para todo padre.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Sete Parábolas de Jesus sobre o Reino
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- Quinta, 30 Julho 2020 10:29
O número sete, na cultura judaica, tem especial significado. Representa plenitude. Para traduzir a palavra de Jesus, o Reino de Deus, o evangelista São Mateus escolheu sete comparações, a que chamamos parábolas. Estão todas no capítulo 13 de seu evangelho. Na liturgia católica, todas essas parábolas são lidas em três domingos seguidos, a saber, nos 15º, 16º e 17º Domingos do Tempo Comum do Ano A. Ao encerrar este ciclo, são apresentadas as parábolas do tesouro escondido no campo, em que uma pessoa vende tudo o que tem e o compra; a da pérola preciosa, em que alguém também dá tudo o que possui em troca; e a da rede com os peixes, que, no fim dos tempos, serão separados entre bons e maus, indo os bons para os cestos do Senhor e os demais para o fogo da condenação eterna.
As duas primeiras parábolas coincidem em sua mensagem: quem encontra o Reino de Deus é capaz de deixar tudo por ele. Vende tudo o que tem e o acolhe. Coloca-o acima de qualquer riqueza. O Reino de Deus é para ele o maior de todos os bens. Os apóstolos deixaram tudo por causa dele. Além deles, quantos exemplos nós encontramos na história, na tradição da Igreja, de pessoas que foram capazes de deixar tudo por causa do Reino dos Céus! A começar por São Paulo Apóstolo, Silas, Barnabé, São Policarpo de Esmirnia, Santo Irineu de Lião; todos mártires que preferiram perder a vida do que abandonar o Reino. Há também, Santo Antão, São Bento, filhos de famílias ricas que se fizeram monges para viver mais intensamente no Reino de Deus. São Francisco e Santa Clara, Santa Catarina de Sena, São Camilo de Léllis, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, Santa Teresinha do Menino Jesus; Santa Teresa Benedita da Cruz, que no século chamava-se Edit Stein, filósofa, fenomenologista, judia convertida ao cristianismo; Santa Teresa de Calcutá, São João Paulo II, Santa Dulce dos Pobres e tantos outros. A Igreja guarda com carinho de mãe os nomes de todos estes e de milhares outros como exemplos de pessoas que foram capazes de deixar tudo por causa do Reino de Deus.
A sétima parábola é a da rede e os peixes. Ela se compara à metáfora do joio e do trigo, com a qual tem algo em comum: ao final dos tempos, alguns vão para a companhia do Pai e outros serão jogados fora, e vão para o fogo que não se extingue. Ela fala das realidades escatológicas, de nossa vida após a morte, a entrada no Reino Definitivo, que é o céu, e se refere aos que, por escolha própria, lá não poderão entrar.
Mas o que é, afinal, este Reino de Deus? Ele não se confunde com organização social ou política. Não se compara com uma realidade mundana, porque na terra nunca haverá perfeição. Isso não significa, porém, que não tenhamos que criar aqui um mundo mais justo e mais fraterno, mais humano.
O Reino é um estilo de vida em Deus. Um modus vivendi que resulta em comunidade de fé e amor. Na verdade, podemos afirmar que o Reino se resume na pessoa de Jesus Cristo. Quem n’Ele está, está no reinado de Deus, está sob o Senhorio amoroso do Pai. Neste sentido, podemos dizer que o Reino é uma pessoa: é Deus mesmo. Quem está em Deus, está no Reino e quem n’Ele não está, mesmo que estivesse numa organização social exemplar, no Reino ainda não está. A Igreja, por sua vez, é sacramento do Reino. Ela é o Corpo Místico de Cristo no qual nos encontramos como membros do Reino.
Entre muitas de Suas parábolas Ele também se compara à porta do redil, por onde entramos para o rebanho de Deus. Por ele, como peixes bons, mergulharmos no Pai. Ele é a porta de entrada para o grande ‘mar’ de salvação que é a Trindade Santíssima. Aqui na Terra vamos vivendo até nos encontrarmos eternamente em Deus, como peixes bons que só têm vida dentro d’água. Se dela saem, morrem na praia e vão servir para o lixo.
Ao redor de Jerusalém, havia um vale onde jogavam a imundície da cidade. Era chamado Geena. Por medida de higiene, mantinham-no sempre incandescente, às vezes nele lançando enxofre para o fogo não se extinguir. Ali jogavam, além do lixo doméstico, toda podridão que surgisse, animais mortos e até cadáveres de pessoas condenadas ou consideradas indignas. Quem caísse vivo neste lugar, não tinha mais salvação. Era impossível resgatar alguém que se afundasse naquele lixão de fogo.
Jesus usou esta imagem para falar do fogo do inferno. Quem se recusa a estar no Reino de Deus, ou seja, estar imerso no Seu amor, mergulhado em Deus, como peixe na água, se tornará lixo e seu fim será trágico, por louca escolha pessoal. Eis aí o que significa a expressão de Jesus ao afirmar que “no fim dos tempos, os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13, 49-50). Contudo, o perseverante viverá para sempre na plenitude do Reino celeste. Jesus, ao ensinar aos apóstolos a rezar, incluiu este pedido: “venha a nós o vosso Reino“. Deus nos quer junto d’Ele, com Ele e n’Ele para sempre. Amém!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
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