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São Bento e a Eucaristia

trânsito-de-são-bentoNas proximidades da festa de São Bento, celebrado no dia 11 de julho, vejamos um dos aspectos mais importantes de sua vida monástica: a Eucaristia, centro de toda a liturgia.

Segundo relatos históricos São Bento morreu, em pé, amparado por dois monges, como se estivessem sustentando a cruz de Cristo, logo após ter sido ministrada a ele a Santa Comunhão, o Pão Eucarístico, o viático do Senhor. Ele já havia previsto sua morte seis dias antes, mandando seus monges cavarem sua sepultura. Morreu aos 21 de março do ano 547. Para quem tem fé, o sepulcro é porta para a morada eterna, para o banquete celestial na casa do Pai.

A Eucaristia, por sua vez, é a prefiguração do céu, a posse eterna de Deus, a convivência perpétua com Maria Santíssima, os santos e os anjos, o mosteiro que não conhecerá nem fim, nem decadência, nem defecção. A Eucaristia é o maior dos sacramentos, nos ensina São Tomás de Aquino, e o principal dos milagres de Cristo, pois ele não cessa. O Senhor o realiza não só uma vez, em favor de alguém, mas o repete todos os dias, em centenas de lugares ao mesmo tempo, em favor de todos os filhos da Igreja, reunidos nas mais longínquas comunidades ou nos mais movimentados centros urbanos.

Pelo que diz São João Paulo II, no prólogo de sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17.04.2003 – Quinta Feira Santa), a Igreja nasce e vive deste Mistério Pascal. Resulta esta afirmação da convicção de que não existe Igreja verdadeira sem a Eucaristia, uma vez que foi o próprio Senhor que assim o quis, instituindo-a, às vésperas de Sua morte, como Seu memorial, da forma que nos ensinam os evangelistas sinóticos (Mt 26, 24-28; Mc 14, 12-28; Lc 22, 14-22) e São Paulo na carta aos Coríntios (I Cor 11, 24-28).

Sobre a centralidade da Eucaristia na liturgia e na vida da Igreja, São João Paulo II, na mesma encíclica, assim se expressou: O Concílio Vaticano II justamente afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a vida cristã”. Com efeito, “na santíssima Eucaristia, está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo” (Presbyterorum ordinis, 5).

Pela Eucaristia, Jesus continua a alimentar misticamente os Seus discípulos, com Seu corpo e sangue, em marcha para o seio da Trindade Santíssima. Os monges surgiram na Igreja como homens e mulheres que entenderam este itinerário pascal, e escolheram Deus, unicamente Deus, como motivo de sua existência, na consciência de que, mesmo isolados em eremitérios ou em centros cenobíticos, estão inteira e indivisivelmente unidos à Igreja inteira, sendo seres eminentemente comunitários. Quando um jovem deixa o mundo e se dispõe a viver a vida monástica, está escolhendo não o enclausuramento em si mesmo, mas a Cristo como centro único de sua vida.

Recordemos que São Bento escreveu um único livro na sua vida, que foi a sua Regra Monástica. Nela, não expõe maiores detalhes sobre a celebração Eucarística, nem faz qualquer reflexão sobre o tema, porque a liturgia de seu mosteiro é a liturgia da Igreja e não outra. Sendo sua experiência monástica vivida no século VI, a doutrina e a liturgia eucarísticas já estavam definidas na Igreja, com textos importantes dos Santos Padres, como São Justino, Santo Irineu de Lião, São Policarpo no século II, São João Crisóstomo e outros no século IV, com afirmações claras sobre este mistério e, inclusive, sobre a presença real de Cristo nas espécies consagradas. O centro da vida monástica, portanto, já naqueles tempos iniciais, é o mesmo centro da vida da Igreja inteira, ou seja, a Eucaristia, a presença viva de Cristo na comunidade dos que creem.

Peçamos que o amor de São Bento nos impulsione a dar novos passos, sem medo, sem comodismo, sem preconceitos. Eucaristia é pão que se reparte, é alimento que gera nova vida, como fez gerar, pelo idealismo do agora Padroeiro da Europa, a vida monástica no Ocidente. Ela perdura há mais de 1.500 anos e cada vez vem tomando nova efervescência nos dias atuais, com novas e preciosas vocações.

São Bento, Homem de Deus, Pai do Monarquismo Ocidental, Homem da Igreja, Místico de ontem e de hoje, Pai amantíssimo dos pobres, a quem atendias à porta dos Mosteiros, Patriarca da Liturgia, Abade Eucarístico, rogue a Deus por cada um de nós.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Não tenhais medo!

Não-tenhais-medo-diz-o-SenhorNo evangelho do 12º do Tempo Comum, Ano A, celebrado este ano a 21 de junho, Jesus diz três vezes aos apóstolos: “Não tenhais medo”. Em muitos outros lugares e ocasiões, Ele repetiu esta mensagem, como, por exemplo, na tempestade em alto mar.

Desta vez, contudo, o Senhor está dando instruções, enviando seus discípulos para a missão. Aliás, todo o capítulo 10 de São Mateus é sobre a escolha e o envio missionário dos apóstolos. E, ao mesmo tempo que os escolhe e os envia, Cristo não esconde a verdade e nem a realidade difícil que eles iriam encontrar. No versículo 16, Ele diz: “Eis que vos envio como ovelhas para meio de lobos”.

Tendo em vista o incentivo à coragem indicada por Jesus nesta perícope mateana, poderíamos nos perguntar: o medo não seria importante em nossa vida, para evitar certas situações perigosas?

Na situação atual, por exemplo, quando o mundo inteiro enfrenta a pandemia do Covid-19, não estamos todos envoltos num clima de medo, sujeitos a sermos contaminados, de morrermos ou perdermos um parente com esta doença? Por causa deste medo, nos prevenimos, ficamos isolados em casa, lavamos as mãos e usamos álcool em gel a toda hora. Hoje, com pequenina abertura para as celebrações, podemos colocar 30 pessoas numa igreja onde cabem mais de mil, e tomamos uma série de medidas quase obsessivas para evitar a doença. E ouvimos Jesus dizer: “Não tenham medo!”. Não haveria contradição nisso?

Prestemos bastante atenção no texto do evangelho. Nosso Senhor fala de dois tipos de medo. No versículo 28, Ele afirma: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; teme, antes, aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno”.

De fato, há dois tipos de medo. Podemos chamá-los de ‘medo bom’ e ‘medo mau’. O medo bom é uma virtude: a prudência. Jesus já havia dito aos Apóstolos: “Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10, 16b). A prudência nos ensina a não arriscar a vida à toa, mas ter a sabedoria para discernir o que é bom e o que é mau. Ela é uma das quatro virtudes cardeais – consideradas as virtudes básicas de todas as demais -, que ainda incluem a Fortaleza, a Justiça e a Temperança, e que estão presentes na Bíblia, no Livro da Sabedoria (cf. Sab 8,7).

Quanto à Prudência, ou seja, o ‘medo bom’, devemos alimentá-lo, tendo os devidos cuidados com a saúde, não abusando da bebida, das drogas, do consumismo desenfreado, da gula. O medo de ofender a Deus, “de não amá-Lo como convém” – como cantamos na missa de Pentecostes -, o medo de não ser fiel à fé, de negar a Cristo na hora do perigo, de não agir com a caridade para com todos, sobretudo com os pobres, são medos legítimos, são a prática da virtude da prudência.

Mas Jesus previne também contra o medo paranoico, o medo irresponsável, o medo hipócrita, o medo paralisante, o medo que trai a missão de propagar e dar testemunho da fé, de ‘proclamar o evangelho pelas ruas e sobre os telhados’, como diz o lema de nosso 2º Sínodo Arquidiocesano, nesta nossa ‘Arquidiocese de Juiz de Fora, uma Igreja sempre em missão’.

Enfim, Nosso Senhor preveniu o Apóstolos ao enviá-los para a missão, pois haveriam de ser perseguidos. A Igreja, por ser o corpo místico de Cristo, sempre será perseguida de várias formas e quem nela caminha não tenha a ilusão de viver tranquilo, sem necessidade de uma hora ou outra mostrar sua coragem, com serenidade e firmeza. Lembre-se todo fiel que Jesus também disse “coragem, eu venci o mundo” (Jo 16, 29-33), e ainda afirmou: “Aquele que perseverar até o fim, este é que será salvo” (Mt 10, 22).

O convite é que sejamos fiéis, pois é a fidelidade a Deus que nos garante a salvação e salva a obra de Cristo que Ele mesmo confiou à sua Igreja, que somos nós. Não tenhamos medo. A obra será sempre do Senhor.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo!

Santíssima-Trindade-site-scaledA festa da Santíssima Trindade, celebrada no dia 7 de junho, nos recorda a verdade sobre Deus e a base sólida da Igreja de Jesus Cristo. No evangelho daquele domingo, escutamos o Senhor dizer que “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra tudo o que n’Ele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 18).

Ao terminar sua missão na terra, Jesus envia os Apóstolos para evangelizar o mundo: “Ide por todo o mundo, fazei discípulos meus entre todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,20). São Paulo, na II carta aos Coríntios, despede-se de seu povo com esta expressão: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão com o Espírito Santo estejam com todas vós” (II Cor 13, 13).

Em muitos outros lugares Jesus nos fala da Trindade Santíssima e os apóstolos foram sempre fiéis a esta doutrina. Deus é uno e trino. São três pessoas distintas, mas inseparáveis. Por isso, repetimos muitas veze ao dia: Glória ao Pai, e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio, agora e sempre. Amém!

Santo Atanásio, Bispo de Alexandria, no Egito, no século IV, grande teólogo no primeiro Concílio da Igreja em Niceia (325), escreveu:

Não devemos perder de vista a tradição, a doutrina e fé da Igreja Católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os santos Pais transmitiram. De fato, a tradição constitui o alicerce da Igreja, e todo aquele que dela se afasta deixa de ser cristão e não merece mais usar este nome.

Ora, a nossa fé é esta: cremos na Trindade, santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de criador e criatura, mas toda ela é potência e força operativa.

Santo Atanásio explica que todas as coisas foram criadas pelo Pai, por meio do Verbo, ou seja, por Cristo, e no Espírito Santo. Assim se dá também na salvação, na Páscoa, e na ação do Espírito Santo, em Pentecostes.

No Antigo Testamento não se encontram referências explícitas a não ser a Deus uno, pois os Deuses Filhos ainda não conheciam, revelado na encarnação do Verbo, o Messias que esperavam. Ao Espírito Santo, de forma imperfeita, se referiam apenas como uma força, mas não como uma pessoa divina.

Jesus, contudo, se apresenta como Filho de Deus Altíssimo e se refere ao Espírito Santo como uma pessoa distinta. Cristo é a luz que ilumina a mente humana para se conhecer a verdade plena. Com Ele aprendemos que Deus é uno, mas não é só; é três, mas não é dividido. Se Deus é amor, Deus só poderia ser comunidade, porque, para haver amor, é necessário haver aquele que ama, aquele que é amado e o amor em si. O Pai ama o Filho, o Filho ama o Pai e o Espírito Santo é o amor personificado entre o Pai e o Filho.

A festa da Santíssima Trindade tem profunda ligação com o Sínodo Arquidiocesano, pois nos recorda, outra vez, que Deus é um e é comunidade de amor, nos ensinando a etimologia do termo “Sínodo”, que significa Caminhar juntos. Em nossa vida pastoral e em nossa ação evangelizadora o princípio é este, buscando um objetivo único que é levar Cristo aos outros e trazer outros para Cristo, cumprindo nossa aspiração de formar uma Igreja em saída, tal quanto a Trindade Santíssima que não se fecha em si mesma, mas envia Deus Filho para nos salvar. A única razão de ser Igreja é a se tornar cada vez mais missionária. Por isso nosso hino sinodal canta “ide, ide evangelizar: proclamai o evangelho pelas ruas e sobre os telhados. Dizer ‘sinodalidade’ é dizer fraternidade e comunhão, conhecer as direções que o Espírito nos dá”.

A Santíssima Trindade é uma escola de amor e de paz. Assim vivamos para nos tornarmos, cada vez, a sua imagem e semelhança. Amém.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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