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Missão Haiti (Parte 1)

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A Arquidiocese de Juiz de Fora está em missão no Haiti. A Missa do Envio deu-se domingo, dia 16 de julho, sob as bênçãos de Nossa Senhora do Carmo, na Igreja de Fátima do Bairro Benfica, repletíssima de fiéis, sobretudo de jovens da Crisma e da Comunidade JMC (Jovens Missionários Continentais) e de outros grupos, quando partimos com um grupo de três jovens (Ana Maria, Marina e Wilmar) e um casal (Myria e Willian) e meu caro irmão no episcopado, Dom José Eudes, Bispo de Leopoldina.


Chegamos a Porto Príncipe no dia seguinte, depois de uma viagem longa, tendo saído do Rio de Janeiro no voo Copa Airlines, de 01h30min da madrugada, passando pelo Panamá, onde permanecemos sete horas à espera. Feliz surpresa, quando descobrimos bela capela no aeroporto panamenho, com assistência pastoral diária e missa dominical. Pudemos celebrar a Eucaristia, que depois do canto de entrada, atraiu um grande número de pessoas em trânsito, inclusive um aviador, comandante de voo, com seu impecável uniforme. Magnífica experiência! Oxalá houvesse esse tipo de serviço religioso nos aeroportos do Brasil!

No avião para Porto Príncipe tivemos outra grata surpresa, ao encontrarmos Padre Giampietro, com duas missionárias jovens da Missão Belém que ajudei a organizar em São Paulo, quando ali fui Bispo Auxiliar. Já há seis anos que chegaram ao Haiti, da mesma forma que estamos chegando, sem nenhum plano pré-estabelecido, apenas com o desejo de fazer algo por estes irmãos do país mais pobre e mais sofrido das Américas. Aqui aprenderam o idioma crioulo, que é a língua que o povo fala e o francês que é também língua oficial do país, mas não falada por todos. Hoje, a Missão Belém tem seis jovens que aqui vivem num dos bairros mais carentes da cidade, ajudando de várias formas, evangelizando com a vida, com o trabalho, com oração constante e catequese permanente.

Ao chegar, fomos acolhidos pelos Frades Franciscanos da Providência de Deus que nos conduziram à sua residência no bairro/município Croix-Des-Bouquets, oferecendo-nos, como São Francisco, tudo que podem, sem nenhum limite. Magnífico exemplo santo e santificador! Sentimo-nos muito bem em sua casa, revestida de humildade e iluminada pelo ideal de pobreza evangélica, onde estes freis vivem pobres com os pobres.

Impressionou-nos, de início, no percurso do aeroporto à casa, a pobreza extrema das pessoas e a falta de saneamento básico, com ruas muito mal pavimentadas, com buracos, com lama, pedras soltas, esgoto a céu aberto, muito lixo pelas calçadas, multidão de gente que circulava entre centenas e centenas de camelôs que vendem de tudo e prestam serviços de toda ordem, desde alfaiataria, sapataria, borracharia, comércio de gêneros, verduras, frutas, utensílios e tudo mais que se possa imaginar, sem nenhuma formalidade. Porto Príncipe não tem água encanada nas casas, nem coleta de lixo e nem rede de esgoto, a não ser numa pequena região das encostas das montanhas, onde vivem algumas pessoas abastadas.

Não há também meios de transporte urbano, sendo este serviço feito por particulares autorizados que levam pessoas em caminhonetes, chamadas tap-tap, cujas carrocerias são cobertas. O termo tem origem nos socos que as pessoas dão no teto quando querem avisar ao motorista para parar a fim de descerem. São carros, em geral, velhos, sujos, apinhados de gente como sardinha na lata. Calor de 35 graus é comum na maior parte do ano.

Não há nenhum bom hospital e pouquíssimo serviço médico especializado. Quem pode, vai se tratar nos Estados Unidos ou em outros países vizinhos. O governo, segundo o que nos disseram, não tem nenhum serviço gratuito ou programa de facilitação financeira para os mais pobres nem no campo da saúde, nem da educação, nem de qualquer outra área.

Quando chegamos em casa, depois de um lanche, de imediato tivemos reunião com os freis que nos indicaram sugestões para nossa programação nestes dias. Aqui vivem três frades: dois brasileiros, Frei Gabriel e Frei Afonso, e um haitiano, Frei Luiz, além de um jovem aspirante, Honorè. Frei Gabriel é o Guardião, mas não é sacerdote, bem como Frei Luiz. Frei Afonso foi ordenado Presbítero há seis anos e se encarrega das celebrações litúrgicas, além da ação sócio caritativa como os demais, pessoalmente no tratamento dentário, pois é odontólogo.

Contaram-nos que atendem inúmeras famílias para assistência médica curativa e preventiva, com mais de 50 consultas por dia. Aos sábados, chegam ao pátio do convento cerca de trezentos jovens para oração, evangelização, jogos, lazer e convivência fraterna.

Concluo que não há no Haiti força maior de serviços sociais que a da Igreja Católica que, desde o princípio, vem assistindo a esta gente submersa na pobreza extrema. As obras da Igreja não contam com nenhuma ajuda financeira do Governo que, além de tudo, lhes cobra taxas. Tudo é mantido com contribuições vindas dos católicos do exterior. Aqui em nossas várias comunidades religiosas e paróquias se vê realizar concretamente a Palavra de Deus: “A fé sem obras é morta” (Tg 2, 26); “Tive fome e me destes de comer, sede e me destes de beber... tudo o que fizerdes a um destes pequeninos é a mim que estareis fazendo” (cf. Mt, 25, 35 – 45).

E Juiz de Fora diz presente.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

 

A Igreja em Saída para as Periferias

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Há muito que a Igreja vem insistindo no tema da missão. Aliás, desde seu início foi assim, pois Cristo, em seu último diálogo com os discípulos, os enviou a todo o mundo para anunciar o evangelho, ensinando tudo o que lhes ensinara, e lhes deu ordem de batizar a todos os que crescem, ou seja, introduzi-los no ambiente de sua família espiritual (Cf. Mt 28, 16-20; Mc 16, 14-20). Para isso, garantiu-lhes presença sem limites: “Estarei convosco todos os dias até o fim dos séculos” (Mt 28,20).

Nos tempos atuais, após a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965), os Papas têm destacado com tal frequência a causa da missão que, pode-se dizer, a maioria dos documentos, homilias, alocuções e outros textos, raramente não trazem referência a este imperativo eclesial.

Papa Francisco prima pelos esforços de impulsionar a Igreja para que esteja sempre em atitude de “saída” e insiste que tenha os olhos direcionados especialmente para as periferias. Sua encíclica Evangelii Gaudium (24.11.2013) é quase um compêndio missionário, destacando a alegria de servir o evangelho ao mundo de hoje, das mais variadas formas. Retomando vários textos de seus predecessores, sobretudo Paulo VI, São João Paulo II e Bento XVI, bem como documentos de Conferências Episcopais, Francisco reforça a identidade da Igreja como comunidade missionária que tem a missão como a primeira de todas as suas causas. Citando o documento de Aparecida (2007) literalmente, escreve o Papa Francisco: “Nesta linha, os Bispos latino-americanos afirmaram que ‘não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos’, sendo necessário passar ‘de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária’” (EG 15).

Com certos louváveis neologismos, Francisco insiste: “Uma Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que ‘primeireiam’, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam” (EG 24). Mais adiante continua: “A Comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (cf. Jo 4,10), e, por isso ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos”. Convida mesmo para atitudes corajosas: “Ousemos um pouco mais no tomar iniciativa!” (EG 24).

Por estas palavras inspiradas e ditas à Igreja ultimamente, através da voz de seus pastores, e sobretudo do seu Pastor Maior que é o Sucessor de Pedro, é que a Arquidiocese de Juiz de Fora envia sete missionários ao Haiti, a partir do dia 16 de julho, para um estudo básico a respeito do que ela possa fazer pelos irmãos naquele país considerado o mais pobre e mais sofrido das Américas. Com eles estarei pessoalmente acompanhado também pelo Bispo Diocesano de Leopoldina.

Com a intenção de compartilhar com o leitor a respeito da realidade que pretendemos contemplar presencialmente, a fim de descobrir como ajudar, passo alguns dados da região a ser visitada.

O Haiti é um país situado no Caribe, numa ponta da Ilha Hispaniola, no grande arquipélago das Antilhas, contando hoje com população de cerca de onze milhões de habitantes. Sua capital é Porto Príncipe, que agrupa cerca de três milhões de pessoas. O regime político é a República, mas, há anos, sofre sucessivas crises, ao ponto de um grupo de nações, entre as quais o Brasil, se fazerem presentes em socorro da população para garantir-lhe a paz e a segurança. Esteve ali um contingente de servidores militares de Juiz de Fora. Semana passada, o Exército Brasileiro iniciou seu retorno, tendo já cumprido gloriosamente sua missão de paz.

A maioria da população é constituída de negros, afrodescendentes, oriundos do regime escravocrata ali predominante no passado. Foi o primeiro país da América Latina a abolir a escravatura e o segundo a proclamar a independência, o que se deu no ano de 1804, através de uma revolta dos escravos. Abrigou Simão Bolívar, em 1815, com a condição de que ele impusesse a libertação dos escravos nos países que conseguisse levar à independência política. Antiga colônia da França, é o único país da América latina cujo idioma oficial é o francês, somando-se ao Canadá, na América do Norte.

O País tem sido atingido por dolorosas catástrofes naturais, como o terrível sismo de 12 de janeiro de 2010, que matou mais de trezentas mil pessoas, tendo destruído o Palácio Presidencial, a Catedral de Porto Príncipe, oitenta por cento das casas, prédios públicos e comerciais. Neste terremoto, morreu a nossa Dra. Zilda Arns, que ali estava para implantar a Pastoral da Criança. Também faleceu, na ocasião, o Arcebispo Dom Joseph Serge Miot. Ano passado, o país foi vítima do furação Matthew, com muitíssimas vítimas.

O atual Arcebispo de Porto Príncipe é Dom Guirre Poulard, nascido em 1942, tendo, portanto atualmente, 75 anos de idade, aguardando a emeritude.

A Arquidiocese de Porto Príncipe foi criada como Diocese, em 03 de outubro de 1861 e hoje conta com quatro dioceses sufragâneas. Em todo o Haiti, há apenas duas Províncias Eclesiásticas, a de Porto Príncipe e a outra, no norte do País, em cabo Haitiano. Pela primeira vez, o Haiti conta com um Cardeal, que é Sua Eminência Chibly Langois, Bispo de Les Cayes, criado no consistório de 2014.

Sendo o principal objetivo da missão levar Cristo às pessoas, a Igreja tem em Maria o modelo mais eloquente de missionariedade. Em sintonia com Papa Francisco, rezamos ao partir para o Haiti: “Maria, Mãe do Evangelho vivente, manancial de alegria para os pequeninos, rogai por nós!”

 

Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

 

De Juiz de Fora ao Haiti

resgate-por-amor-jesus-ajudando-um-menino-1a97dO que mais dignifica a pessoa humana é o bem que possa fazer ao outro. O altruísmo nunca diminui, mas aumenta a satisfação da alma. Engana-se quem pensa que o enriquecer de matéria, de ouro e prata, egoisticamente, possa trazer paz à mente, serenidade ao coração, tranquilidade ao espírito. Se as coisas materiais são necessárias ao legítimo conforto que todos devem ter, ao progresso dos povos, o excesso, a ganância, a avareza são elementos enganosos que acabam se tornando venenos para a vida.

Cristo, ao ensinar a seus discípulos sobre a salvação eterna, exclamou: Vinde, benditos de meu Pai... pois tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era forasteiro e me acolhestes, estava nu e me vestistes, doente e me socorrestes, na prisão e fostes me visitar... (Mt 25, 34-36). São Tiago ensinou que a fé, se não se traduz em obras, por si só, é morta (Tg 2,17).

Os cristãos, desde o princípio, entenderam e praticaram esta verdade que dignifica e salva. A partir de experiências anteriores, já no século 3, havia em Roma uma organização caritativa, presidida pelo bispo local, o Papa Fabiano, que dava socorro a cerca de 500 famílias empobrecidas. A idade média foi marcada, toda ela, por iniciativas dos cristãos e dos organismos de igreja, pela força da caridade, unindo sempre a fé e a missão à pratica do amor fraterno. Os mosteiros funcionavam como verdadeiros centros caritativos, onde os pobres procuravam alimentos, os doentes, remédios, os refugiados, acolhimento, os desabrigados, acolhida e até os órfãos abandonados às portas dos claustros eram adotados e pelos monges recebiam educação.

Muitos são os santos que ganharam a honra dos altares, por terem praticado extraordinariamente a caridade. Entre tantos, pode-se recordar os nomes de São Martinho Tours (séc. 4); São Bento e Santa Escolástica (séc. 6), Santa Edwiges (séc. 12), São Francisco de Assis (séc. 13), Santa Isabel da Hungria (séc 13), Santa Isabel de Portugal (séc. 14), São João de Deus e São Camilo de Leles (séc. 16), São Vicente de Paulo e Santa Luiza de Marilac (séc. 17), e as mais recentes e conhecidas, Santa Teresa de Calcutá e Beata Irmã Dulce dos Pobres (séc. 20).

Santo Antônio de Pádua (séc. 13) praticou a solidariedade cristã e pregou forte sobre o dever de acudir aos mais pobres, afirmando: “A palavra é viva quando falam as obras. Cessem, pois, as palavras e falem as obras. Estamos cheios de palavras, mas vazios de obras!”

O Papa Francisco, movido pela Palavra de Cristo, tem insistido para que a Igreja seja cada vez mais missionária, voltada para as periferias, onde se encontram os mais sofridos. Deseja o Sucessor de Pedro que a Igreja esteja sempre em atitude de saída. Aos jovens, no Rio de Janeiro, em 2013, ele ordenou paternalmente: Ide, sem medo, para servir.

Movida por estes pensamentos, a Arquidiocese de Juiz de Fora pretende dar novos passos nos caminhos da missão e de seu compromisso com os empobrecidos e sofredores em geral. Lançando o olhar para o Haiti, sendo este o país mais pobre da América Latina e do Caribe. Para lá partimos no próximo dia 16 de julho, com mais cinco jovens e um casal, lá permanecendo alguns dias, com a finalidade de fazer um estudo e ver a viabilidade de estabelecer um compromisso missionário com aquela gente que, às vezes, chega a comer biscoitos de terra, para matar a fome.

Com a graça de Deus, nossa Igreja Particular de Juiz de Fora, através dos Jovens Missionários Continentais e outros grupos ou pessoas, poderá dar este novo passo na sua aspiração de ser uma Igreja Sempre Missionária, pobre com os pobres, em contínuo processo de saída, como desejou Cristo ao final de sua missão: ide por todo mundo, a todos anunciai o evangelho (Mc 16,15).

 

Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

 

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