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Natal: serviço, ternura, missão

DSC07866 1O anúncio celeste de Gabriel, o Arcanjo de Deus, a Maria encheu-a de alegria e esperança, inebriou sua alma do amor que vem do alto e, de imediato, a despertou para o serviço ao próximo. Seus pensamentos se voltaram para Isabel, sua parenta, que também fora agraciada por Deus, concebendo filho na velhice. Não seria fácil enfrentar os cem quilômetros que separam Nazaré e as cercanias de Jerusalém, onde vivia a prima idosa com o esposo Zacarias. Porém, ao subir a colina de Arim Karen, a Virgem de Nazaré ouve voz vibrante de saudação: “Bendita és tu entre as mulheres! Como pode vir a mim a Mãe do meu Senhor!” (Cfr. Lc 1, 42-45). Duas mães se abraçam com a ternura da fé e a certeza de que “para Deus nada é impossível” (Lc 1, 37).

Sobre esta viagem de desprendimento e amor fraterno que faz Maria, o Papa Francisco, em sua homilia, em Cuba, no ano de 2015, refletiu: “Geração após geração, dia após dia, somos convidados a renovar a nossa fé. Somos convidados a viver a revolução da ternura, como Maria, Mãe da Caridade. Somos convidados a ‘sair de casa’, a ter olhos e o coração abertos aos outros”. E mais adiante, diz: “Como Maria, Mãe da Caridade, queremos ser Igreja que sai de casa, que sai de seus templos, que sai de suas sacristias, para acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade de um povo nobre e digno”.

As palavras do Papa ditas num país comunista que cerceia a liberdade religiosa e as expressões natas de fé têm, certamente, especial sentido. Medidas opressoras contra o direito de crer, confinando fiéis no silêncio dos templos, são contraditórias diante de um pretenso programa igualitário. Nenhum poder humano tem o direito de impedir o povo de praticar sua fé e realizar as obras que da fé decorrem. O Papa deseja, além disso, demonstrar a todo o mundo, que, além das liturgias e das legítimas expressões devocionais, a vida de quem crê em Cristo não se limita às quatro paredes das igrejas. Jesus nasceu na gruta santa de Belém, frequentou a Sinagoga de Nazaré, fez peregrinações ao Templo de Jerusalém, e também viveu missionariamente nos caminhos da Galileia e da Judeia espalhando o amor, o perdão, a paz. Sobre ele foi escrito: “passou a vida fazendo o bem” (Cfr. Atos 10, 38).

Outra viagem de Maria, dessa vez com José, seu casto esposo, quando tiveram que migrar para o Egito com o fim de defender o recém-nascido contra a violência dos poderosos cegos pelo poder, nos faz refletir. Quantas vezes teremos de empreender meios, ainda que nos obriguem a sair da nossa zona de conforto, para defender os princípios deixados pelo Filho de Deus em favor da vida, da dignidade e das necessidades da pessoa humana?

Estamos sempre a caminho. A vida é dinâmica. A força da fé, a robustez da oração, o alimento dos sacramentos tomados entre as paredes sagradas nos dão coragem e alegria no desenrolar de nossas rotas, levando-nos sempre ao encontro do Senhor que vem. Os exemplos nos impelem. Em Maria pode se ver a força da fé capaz de mudar situações penosas em sublimidade que salva, como escreveu também Francisco: “Maria é aquela que sabe transformar um curral de animais em Casa de Jesus, com pobres paninhos e uma montanha de ternura” (EG 286, 2013).

O mesmo Francisco, a 8 de dezembro de 2014, rezou à Mãe do Senhor, nos seguintes termos: “Neste tempo que nos conduz à festa do Natal de Jesus, ensina-nos a ir contracorrente: a despojar-nos, a abaixar-nos, a doarmo-nos, a ouvir, a fazer silêncio, a descentralizar-nos de nós mesmos, para dar espaço à beleza de Deus, fonte da verdadeira alegria”.

Feliz Natal!


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Vivenciar o Advento

adventoComeçamos o Advento, tempo de quatro semanas em preparação para o Natal. Composto de duas partes, o referido tempo litúrgico pretende auxiliar na expectativa da segunda vinda de Cristo nos fins dos tempos e para a celebração litúrgica do seu nascimento em Belém de Judá. A pessoa humana é convidada a vivenciar, em si mesma, a vida de Cristo que se dá pela assimilação de sua Palavra e pelas obras que compõem sua plena imersão na sua lógica.

No evangelho de São Mateus, capítulo 7, podemos ler uma claríssima instrução de Jesus a respeito da vivência da Palavra de Deus. Ali podemos perceber que não basta conhecer a Palavra e nem mesmo basta orar sobre a Palavra. Diz Jesus: Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus; mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este entrará no reino dos céus (Mt 7,21). Para maior seriedade ainda, vemos o Senhor asseverar: Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em vosso nome, em vosso nome não expelimos demônios, em vosso nome não fizemos muitos milagres?’ E então eu lhes direi bem alto: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que operais a iniquidade (Mt 7,22-23).

Percebe-se, daí, que há maneiras de até mesmo causar certos prodígios vistosos, de ter eloquência de palavras, de fantasias religiosas, sem, contudo, estar verdadeiramente em união com o Senhor. Seria isto iludir aos outros e a si mesmo. Terrível seria provocar tais efeitos prodigiosos, em busca somente de poderio econômico, o que, infelizmente, tem acontecido com certas pseudoigrejas que baseiam sua pregação e sua obra na chamada teologia da prosperidade.

O Senhor exige de quem prega, de quem ora, de quem deseja vencer o mal, viver autenticamente a Palavra de Deus, colocando-se sincera e humildemente em submissão à vontade do Pai. Do contrário, tudo o que fazemos, até mesmo dizendo fazê-lo em nome de Deus, não terá nenhuma consistência e poderia ser causa de nossa condenação.

O esforço diário de colocar a Palavra de Deus em nossa vida é o fundamento sólido da nossa obra e de nossa salvação. Por isso o Senhor prossegue dizendo: Todo aquele que ouve a Palavra e a põe em prática será semelhante a um homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha firme. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa, mas ela não desabou, porque estava edificada sobre a rocha (Mt.7,24-25).

Viver a Palavra é estar sempre aberto à ação do Espírito e sempre atento à vontade de Deus. Maria, figura bíblica central no Advento, foi a mais fiel servidora do Senhor, em quem o Altíssimo realizou maravilhas. Sua decisão de cumprir a vontade de Deus expressa ao anjo Gabriel, Eis aqui a Serva do Senhor, faça-se em mim a sua Palavra, é o protótipo para todos os que amam autenticamente a Cristo. Ela é a expressão máxima na Bíblia no que se refere à vivência da Palavra. Toda a sua existência, desde a anunciação, passando pelo nascimento e a infância de Jesus, passando pelos tormentos da paixão e morte de seu Filho, depois experimentando a alegria da ressurreição e, por fim, sua presença no dia de Pentecostes, no nascimento da Igreja, Maria é a imagem viva e reluzente de fidelidade a Deus e à sua Palavra. Pedro Apóstolo, fiel discípulo do Senhor, que experimentou também momentos de fraqueza humana, mas foi sempre confirmado pelo Senhor, pôde exclamar após o discurso eucarístico de Jesus, registrado no capítulo 6 de São João: Para onde iremos, Senhor, só Tu tens palavra de vida eterna (Jo 6,69).

Somente pode possuir a vida eterna quem vive na Palavra do Senhor, como nos afirmou Jesus de forma clara e animadora: Quem guardar a minha Palavra não provará a morte (Jo 24, 52).

No Advento, a pessoa humana encontrará oportunidade de compreender, assimilar e vivenciar o que significa a vinda de Cristo para a humanidade e para cada pessoa em particular.

 

Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Papa Francisco e os Pobres

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Os pobres são o nosso passaporte para o Paraíso”, afirmou Francisco, domingo passado, em sua homilia na Praça São Pedro, em Roma. Com suas surpreendentes iniciativas, ao final do Ano da Misericórdia (2015-2016), havia instituído o DIA MUNDIAL DOS POBRES, a ser celebrado sempre nesta mesma ocasião, no 33º domingo do calendário cristão. A primeira versão realizou-se a 19 de novembro do corrente ano, dia em que o Papa não só celebrou a Missa refletindo sobre o tema, mas promoveu um imenso almoço com os pobres e pessoas que trabalham em favor deles, sentando-se ele próprio à mesa com os convivas. O gesto foi repetido em vários colégios de Roma.

O que o Papa pretende com isto? Por que dedicar um dia aos Pobres? A resposta vem dele mesmo, afirmando que a omissão, hoje tão comum, é um grave pecado e desconhecer a realidade de miséria e penúria em que vivem milhões de pessoas em todo o mundo constitui degradação da humanidade, fruto do egoísmo e do indiferentismo que são doenças sociais do mundo hodierno.

Ao iniciar sua carta de convocação, dada aos 13 de junho passado, Dia de Santo Antônio de Lisboa, inicia citando o evangelho de São João: «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1 Jo 3,18). Os termos do Papa me fizeram recordar a Campanha da Fraternidade de 1968, cujo tema era “Crer com as Mãos”, um dos slogans mais criativos de sua história, segundo minha opinião.

Em sua mensagem, Francisco cita abundantemente textos bíblicos, demonstrando que, segundo Cristo, ninguém se salva apenas pelas práticas de piedade ou de louvores, nem por apenas crer simplesmente, mas também pelas obras que faz em favor dos irmãos, sobretudo os mais carentes. A afirmação tem base no evangelho de Mateus, quando Jesus ensina que, no julgamento final, “O Senhor dirá aos que estiverem à sua direita, vinde benditos de meu Pai, recebei a herança que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo, pois tive fome e me desde de comer, tive sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes...” (cf Mt 25, 34-46). Lembra o Papa que se é omisso quando, diante da miséria alheia, consentimos nosso coração dizer: “Não me diz respeito, não é problema meu, é culpa da sociedade. É passar ao largo quando o irmão está em necessidade, é mudar de canal, logo que um problema sério nos indispõe, é também indignar-se com o mal, mas sem fazer nada. Deus, porém, não nos perguntará se sentimos justa indignação, mas se fizemos o bem”, alertou o Santo Padre.

Recordou que o amor que Cristo prega exige gestos concretos e não apenas discursos, pois, como afirma, “O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10,19); e amou dando-se totalmente, incluindo a própria vida" (cf. 1 Jo 3,16).

Cita o exemplo de São Francisco, totalmente despojado para servir a Deus nos pobres e como pobre e recorda a pregação de São João Crisóstomo, no século IV, que dizia: "Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm o que vestir, nem o honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez" (Hom. in Matthaeum, 50, 3: PG 58).

A iniciativa de Francisco não é apenas uma proposta para os bilhões de católicos existentes no mundo, mas um grito à humanidade toda em favor dos excluídos e marginalizados que continuam esquecidos por tanta gente.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

 

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