O Testemunho de Dom Célio
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- Segunda, 29 Janeiro 2018 13:51
Certa da feliz ressureição dos que morrem no Senhor, a Igreja entregou nas mãos do Pai, a 19 de janeiro de 2018, a vida, a obra e os sofrimentos de Dom Célio de Oliveira Goulart, quarto Bispo da Diocese de São João del Rei.
Numa caminhada de pouco mais de 73 anos, tendo se consagrado a Deus indivisivelmente desde a sua juventude nos caminhos de São Francisco de Assis, abraçou a pobreza evangélica, se tornou missionário, sacerdote do Altíssimo, serviu o Pão do Céu, pregou a Palavra, guardou intacta a fé e espalhou o amor de Deus por muitos lugares. Chamado pela Mãe Igreja ao episcopado, sucedeu os Apóstolos em Leopoldina, depois em Cachoeiro do Itapemirim e, por fim em São João del Rei.
Sua nomeação para a Igreja Particular de São João del Rei, a 26 de maio de 2010, veio satisfazer sua vontade própria, como me confidenciou, à época, antes mesmo que se iniciasse o processo sucessório. Perguntei, à ocasião, se ele se sentia disposto a abraçar de cheio esta diocese com tudo o que ela representa de especial, incluindo a sua expressividade tão extraordinária em arte sacra, sobretudo na música que guarda imenso acervo da liturgia histórica e sua legítimas tradições, ele me respondeu que, embora não tivesse o dom de cantar bonito como gostaria, o que enriqueceria a liturgia, amava muito estas tradições mineiras como verdadeiros veículos de evangelização, podendo através delas chegar aos corações do povo sanjoanense, pois fora naquela histórica cidade que ele havia começado sua vida sacerdotal, tão logo fora ordenado presbítero na Ordem dos Frades Menores, em 12 de julho de 1969.
Pôde assim, como Bispo, reger aquela Igreja por mais de sete anos, e presidir tantas vezes as cerimônias de beleza sem par que acontecem nesta Diocese, sobretudo na Semana Sana e a Páscoa, além de dar apoio a todas as demais forças pastorais da Igreja local, até os últimos momentos de sua existência. Soube colocar em prática as renovações do Concilio Vaticano II, às quais amava, sem, contudo, em nada prejudicar as cerimonias históricas, artísticas e piedosas desta terra, que, com todo direito, pode ser destacada como capital da Música Sacra no Brasil. Esta foi uma das virtudes deste Pastor admirável, pois o Concílio Vaticano II não quis destruir nada, mas apenas acrescentar sem ferir, renovar sem demolir. Isto está de fato impresso na Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, quando diz: Havendo em almas regiões...povos que têm uma tradição musical própria, a qual desempenha importante função em sua vida religiosa e social, a esta música se deem a devida estimação e o lugar conveniente, tanto para lhes formar o senso religioso, quanto para adaptar o culto à sua mentalidade (SC 119).
Frade da Província de Santa Cruz, teve sua vida marcada pela força deste símbolo. Nasceu no dia 14 de setembro, dia da Exaltação da Santa Cruz; escolheu para lema de seu episcopado “Crux Dei Virtus Est” (A Cruz é a força de Deus). Como gesto misterioso do amor divino, foi-lhe concedido experimentar a expressividade deste lema no último ano de sua vida, quando lutou na fé contra um câncer no pâncreas, e muito intensamente no último mês no leito hospitalar. Ao entrar da madrugada da terceira sexta-feira do tempo comum da liturgia cristã, dia penitencial em todo o ano, recordando a cruz redentora de Cristo, às vésperas da liturgia do Martírio de São Sebastião, o Pai o aliviou dos seus sofrimentos, chamando-o ao seu feliz convício na eternidade.
Crux Spes Nostra! Na cruz está de fato nossa esperança, pois se é sinal de loucura para os pagãos, para nós é sinal inconteste de vitória (cf I Cor 1, 23).
Descanse em paz, na presença serena do Altíssimo, ó fidelíssimo Pastor!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Palavra com “P” maiúsculo
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- Segunda, 15 Janeiro 2018 08:53
As palavras que usamos corriqueiramente podem ter efeitos diversos. É lhes possível gerar situações boas ou más. Também o tom usado para proferir termos modifica tais efeitos. As palavras apenas ditas divergem em resultados com relação às escritas. Diz o velho ditado latino: “Verba volant, scripta manent”. Há perigo em dizer e mais perigo ainda em escrever. Se as palavras ditas voam, nunca mais serão recolhidas, pois o autor dos termos proferidos, por mais que se esforce ou deseje, jamais poderá saber até onde chegou sua fala. Pior se torna a situação quando se trata de ofensa, calúnia, difamação. Sempre haverá alguém para acreditar na maledicência, ainda que não tenha o mínimo fundamento.
Um dos grandes problemas da era midiática são os “fake-news”. Espalham-se notícias falsas sem nenhum escrúpulo, põem-se palavras na boca de pessoas que nunca foram ditas por elas, comentam-se fatos não comprovados ou prejulgados com a maior facilidade, denegrindo indivíduos ou grupos, pisoteando a moral e a ética. Diante de tanto progresso tecnológico da comunicação, pergunte-se: onde mora a irresponsabilidade? Nem falemos sobre legislação totalmente desatualizada a respeito da punição a este tipo de crime que, hoje, pela velocidade e extensão das informações, agigantam ofensas e destroem moralmente pessoas inocentes.
A fé pode vir em nosso auxílio. Na interessantíssima organização da liturgia do Natal, há pouco celebrado, há três textos especiais para as missas. O primeiro é para a noite, quando se lê a narrativa do nascimento de Cristo, após a rejeição dos habitantes daquela aldeia; o segundo é para a Missa da Aurora, quando se reflete sobre a visita dos pastores, e o terceiro para a chamada Missa do Dia, cujo o tema central está na afirmação bíblica: “A Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14).
A Sagrada Escritura ensina que esta Palavra com “P” maiúsculo não pode ser simplesmente confundida com “vocábulo”, ou um verbete dos dicionários, nem com um enunciado de uma página, nem mesmo com o livro das Sagradas Escrituras, a Bíblia. A Palavra, segundo o trecho do evangelho citado, do chamado Prólogo de São João, é uma pessoa. O verbo encarnado no seio virginal de Maria é Cristo, é o Menino de Belém. Tal Palavra que existiu desde todos os tempos, sem princípio, é o Filho de Deus que veio da Trindade sem dela se distanciar, tornou-se pessoa humana sem deixar de ser divina. Mais tarde, Pedro vai dizer a Cristo: “A quem iremos, só Tu tens Palavra de vida eterna” (Jo 6, 68).
A Palavra de Deus tem poder e não conhece defecção. Pela sua Palavra, Ele criou todas as coisas. A narrativa da criação presente no Gênesis demonstra a força da Palavra e, entre as suas etapas, um momento especial se pode destacar na criação da luz. Dita a Palavra, as trevas já não tiveram mais poder, pois a luz foi feita. Assim como a Palavra se fez carne, a luz apareceu nas trevas. Cristo é luz, como mais tarde afirmará: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas” (Jo 8, 12).
No texto litúrgico do dia do Natal, Palavra e Luz se identificam. A Palavra de Deus ilumina a vida das pessoas humanas, como já cantara antes o Salmo: “Tua Palavra é lâmpada para os meus pés, é luz para o meu caminho” (Sl 119,105).
Se nossas palavras do dia a dia não estão em sintonia com a grande Palavra, podem gerar danos irreparáveis. Porém, se alicerçam nela, sempre gerarão frutos de paz, justiça, caridade, harmonia, amor, bondade e jamais destruirão pessoas. Para que as palavras humanas sejam sempre produtoras do bem, deixem-se iluminar pelo Verbo Encarnado, o Salvador em todas as situações.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Ano Novo complicado, mas iluminado pelo Natal
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- Quinta, 04 Janeiro 2018 11:04
Como almejar um Feliz Ano Novo numa situação política como a brasileira, onde tudo parece continuar sem solução? Como dizer boas festas, num ambiente tão funesto com tanta violência, corrupção e enganos como o que estamos experimentando hoje em dia? Diante de um mundo tão agressivo à fé, tão marcado por secularismo, contraditório em seus termos, que ao mesmo tempo prega o direito à diversidade e nega o direito de ser fiel aos princípios religiosos, formular votos de Bom Ano é um desafio. Não há dúvida que somente a fé pode vir em nosso socorro. Ela, segundo a palavra do Mestre de Nazaré, é capaz de remover montanhas.
No Natal, celebramos a consoladora realidade de Deus que se faz pequeno, sendo infinitamente grande; se faz homem, sendo absoluto Deus! O que o orbe inteiro não pode conter, acomoda-se no reduzido espaço do seio de Maria. O que o mundo não é capaz de imaginar, penetra a alma humana com esplendor de santidade que não conhece limites e com a efusão de graças que a mente humana não pode calcular. Deus se faz homem, sem deixar de ser Deus e a humanidade do Menino de Belém é divinizada, sem deixar de ser terrena. Explica-nos São Leão Magno, um dos maiores Papas da história (440-461), que esse estupendo milagre não causou a Deus nenhuma diminuição em sua divindade e nem resultou em nenhuma destruição à humanidade de Jesus. Só Deus pode modificar, desta maneira, as condições e leis da natureza, pois, em geral, o que é maior não cabe em espaço menor, nem o que é menor suporta o peso do que é maior. O forte, em geral, vence o mais fraco, e o rico, em geral, é mais favorecido que o empobrecido. Mas aqui, trata-se de coisa divina, com o poder de Deus que do nada tudo criou, e com o pouco tudo deseja salvar.
O que seria mesmo salvar? Que significado tem este vocábulo com espaço tão especial nas Sagradas Escrituras? Salvar é tirar alguém do perigo, é afastar o frágil da derrota, é devolver o ânimo ao que perdeu a esperança, é levantar o que está abatido, é reacender a fé no coração desiludido, é dar força e coragem ao que se sente impotente diante de agressões, de incompreensões, de correntes contrárias ao que sempre creu, aos ataques à fé, à moral, à virtude. Salvar é resgatar alguém do poder do mal, da força iníqua do pecado, é dar o céu àquele que o perdera e tem certeza de que não o merece, mas o deseja. Salvar para a eternidade é um ato supremo de amor só possível a Deus perfeitíssimo em misericórdia, sabedoria, perdão e amor.
Naquela noite santa de Belém, as coisas se invertem do comum, do corriqueiro e os fatos ganham contornos extraordinários, a fim de que a raça humana compreendesse que Deus é todo poderoso e age por extremo de amor. Como afirmou Thomas Merton, “Hoje, Cristo, a Palavra eterna do Pai, que estava no princípio com o Pai, em quem todas as coisas foram feitas, no qual todas subsistem, penetra no mundo criado por ele, para recuperar as almas esquecidas de sua identidade” (Thomas Merton, in Tempo e Liturgia).
A esperança renasce quando se tem certeza de que o Menino de Belém insiste em continuar a nascer em nossos corações, em nossos lares, em nossas comunidades, em nosso povo a cada dia. Somente nós mesmos podemos decidir se o permitiremos. Eis a nossa esperança. Feliz Ano Novo!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
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