Páscoa, vitória da Cruz
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- Terça, 17 Abril 2018 11:30
O cristão é chamado a iluminar a sua experiência humana com a luz do mistério pascal. Sua vida ganha sentido quando compreende que o desafio de todos os dias é deixar a morte e a ressurreição de Cristo iluminarem sua própria vida. Isto comporta um estilo de fé pascal que penetra todas as dimensões da existência humana.
Pessoalmente, cada um há de se perguntar sobre a própria disposição para morrer e ressuscitar nas relações familiares, em meio à labuta do trabalho, no contexto dos projetos pessoais. Tantas vezes temos muita dificuldade em perder, em aceitar mudanças, em acolher as surpresas. Diante das dificuldades julgamo-nos, às vezes, abandonados por Deus.
Dom Hélder Câmara aconselhava: “Aceita as surpresas que transtornam teus planos, derrubam teus sonhos, dão rumo totalmente diverso ao teu dia e, quem sabe, à tua vida. Não há acaso. Dá liberdade ao Pai, para que Ele mesmo conduza a trama de teus dias...”. Edith Stein, afirmava: “Não sei para onde estou indo, mas sei que Deus está me conduzindo”.
O autoesvaziamento cotidiano é o sinal pascal de nossas vidas. Se Aquele que foi crucificado não está mais na cruz, no entanto não deixou de ter em suas mãos e em seus pés as marcas dos cravos. O Ressuscitado é o Crucificado. A cruz como símbolo dos cristãos está a indicar que o mistério da paixão, morte e ressurreição nos acompanha dia e noite. Viver de modo pascal significa abraçar todos os dias o mistério da cruz com os olhos fixos n’Aquele que a venceu. Cristo ressuscitou e venceu a morte!
Não apenas ontem, mas hoje e para sempre. Assinalados pela cruz de Cristo já no batismo, haveremos de viver toda nossa história como o Senhor nos indicou: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mc 8, 34). A autenticidade da vida cristã se mede pelo ato de abraçar a cruz e de vencê-la com Cristo.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
Os Efeitos da Ressurreição de Cristo
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- Terça, 10 Abril 2018 09:15
Diante de Anás de Caifás, Pedro faz uma profissão de fé. Depois de ter curado o paralítico na Porta Formosa do templo de Jerusalém, dizendo "ouro e prata eu não tenho, mas o que tenho te dou: em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda" (cf At 3,1-10), passou a ser vítima de perseguição das autoridades judaicas. Mas, com coragem, diz: "este homem está curado diante de vós, é por meio do nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós crucificastes e que Deus ressuscitou dos mortos" (At 4, 10).
A cura feita, sabiam, era obra de Cristo, não de Pedro, pois somente Deus tem o poder de realizar milagres, podendo fazê-lo pela intermediação dos santos.
Vê-se uma série de efeitos. A coragem inesperada de Pedro e dos demais apóstolos, antes medrosos, acanhados, agora sem medo algum e sem nenhuma preocupação sobre o que lhes poderia acontecer, nasce da convicção plena da vitória de Cristo sobre a morte. Agora os discípulos, sem receios, anunciam e denunciam, falam abertamente sobre os fatos, ao ponto das autoridades judaicas contrárias à atuação deles, chegarem à admiração, como afirma o texto sagrado: "os interrogadores ficaram admirados ao verem a coragem de Pedro e João, sendo eles pessoas simples e sem instrução” (cf At 4, 1- 37). Arrastavam multidões, ao ponto de as próprias autoridades dizerem: "Eles realizam milagres notórios" (At 4, 16).
As palavras de Pedro diante da autoridade eram uma verdadeira profissão de fé em dois sentidos: a certeza de que Cristo havia ressuscitado e a convicção plena de que Cristo continuava agindo como antes, entre eles. Agora com um corpo, ao mesmo tempo natural e sobrenatural, prossegue fazendo milagres como anteriormente.
A comunidade cristã sempre acreditou, ensinou e propagou estas duas verdades. Portanto, é efeito da ressurreição a celebração da Eucaristia que os que creem em Cristo celebram cotidianamente, desde aquele 'primeiro dia da semana', quando o Senhor apareceu vivo aos apóstolos por diversas vezes. Cada Missa é renovação daquilo que, por místico e divino, não está preso nem ao espaço e nem ao tempo: a vida, a morte e a ressurreição de Cristo.
É efeito da ressurreição o ato da instituição do sacramento da reconciliação, quando Jesus, naquele mesmo dia, visita os Apóstolos fechados no Cenáculo por medo dos judeus, e lhes diz: "A paz esteja convosco... Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados serão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, eles serão retidos" (Jo 20, 22-23). Tal gesto marca a liturgia do segundo domingo da Páscoa, quando se lê este trecho do evangelho, distinguindo a data com o título de Domingo da Misericórdia.
É também efeito da ressurreição o aumento da fé, visualizada na experiência de São Tomé que não acreditou no testemunho dos discípulos sobre a ressurreição de Cristo. O Senhor, paciente e bondosamente, comparece, oito dias depois, no mesmo lugar, para dar ao Apóstolo incrédulo a certeza da sua revitalização, pedindo–lhe que tocasse com sua mão as suas chagas. "Não sejas incrédulo, Tomé, mas tenha fé... Creste porque me viste? Bem-aventurados os que creem sem terem visto" (cf Jo 20, 24-29).
Os efeitos da ressurreição agem também nos discípulos que passaram a ter consciência de partilha e de desapego das coisas materiais, ao ponto de repartirem todos os seus bens com os demais membros da comunidade, não havendo mais pobres entre eles, como está escrito: "A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum" (At 4, 32).
Por fim, o efeito maior da ressurreição é a certeza de que a vida não termina com a morte, e nem se definha com a sepultura, pois fomos criados não para morrer, mas para viver eternamente na casa do Pai, onde reinam a felicidade plena e a paz perpétua.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
A Páscoa de Cristo, superação da Violência
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- Quarta, 04 Abril 2018 09:24
Diante de um amor imenso, de um Deus que se faz homem, de um homem-Deus que se faz pão eucarístico, de um Filho de Deus que se dá em sacrifício no suplício tremendo da cruz, a resposta humana, naquela tarde do dia 14 do mês Nizan, foi de ingratidão.
Que resposta é esta da humanidade a tanto amor?! Oferece-lhe a traição em Judas, a condenação na covardia de Pilatos, na hipocrisia e maldade de Herodes, na execução de um veredicto injusto, na crucificação não só de um inocente, mas de um Deus que se fez um de nós, o verbo que se fez carne.
Que resposta me dais, meu povo, interroga silenciosamente o corpo ensanguentado do Senhor na cruz. Povo meu, que te fiz eu! Em que foi que te contristei? Responde-me. Por que eu te tirei da terra do Egito, preparastes uma cruz para o teu Salvador (Miq 6, 3-4), indagara o Profeta Miqueias.
São Máximo, o Confessor, no século VII, afirma:
O Verbo de Deus não curou apenas nossas enfermidades com o poder dos milagres. Tomou sobre si as nossas fraquezas, pagou a nossa dívida mediante o suplício da cruz, libertando-nos dos nossos muitos e gravíssimos pecados, como se ele fosse o culpado, quando na verdade era inocente de qualquer culpa. (Das Cartas de São Máximo, o Confessor, abade. LH II p. 271, Séc. VII).
O Senhor assimilou sobre si todos os pecados da humanidade. Sofreu física, moral e espiritualmente para nos salvar. Sofreu o misterioso abandono do Pai, misterioso sim, mas compreensível enquanto, tendo carregado sobre si os pecados da humanidade, sente-se inevitavelmente arrastado para longe do Pai, pois entre Deus e o pecado não pode haver proximidade. A força do pecado, o mistério da iniquidade, é como um vento impetuoso que o afasta do Pai Santo. Trava-se uma terrível batalha entre o mysterium iniquitatis e o mysterium pietatis. O mistério do pecado e o mistério da bondade, da graça. Na impossibilidade de conviverem pecado e graça, presença do mal e presença divina, Jesus sente o abandono do Pai. Na verdade, o que está sendo abandonado é o nosso pecado, é o homem pecador, para que se liberte da iniquidade e encontre vida nova.
Perguntemo-nos: nos dias de hoje, onde se encontra Cristo crucificado, em que situações o Senhor está sofrendo a violência das afrontas e da oposição em nossos dias? A Campanha da Fraternidade deste ano propôs como tema a superação da Violência, recordando a palavra de Cristo "Vós sois todos irmãos" (Mt 23,8).
O Senhor morre hoje, onde morrem tantos inocentes pela violência estabelecida em nosso país, onde o governo e a população vão perdendo a guerra para as organizações criminosas, para o tráfico de entorpecentes, pela falta de uma verdadeira educação de nossos jovens.
Confessamos que Cristo tem um reinado a propor para vencer a onda de violência e todo tipo de mal. Mas seu reino não é político. Tu és rei? Interroga-lhe o confuso Pilatos. Sim, eu sou rei, mas meu reino não é deste mundo. Se o fosse, meus súditos me haveriam de socorrer. Mas meu reino não é daqui. (Cf. Jo 18,33-36), responde o Mestre!
O reino de Cristo não é humano. Cristo veio instituir a Igreja, como caminho de conversão e de vida plena. Não veio simplesmente instaurar um projeto político, pois os projetos políticos são efêmeros e sempre imperfeitos, quando não contraditórios. Contudo, suas palavras devem iluminar todos os regimes políticos. Mas o seu reino não é daqui. Vai muito além das organizações humanas e dos limites governamentais, antes é seu Reino o ideal que inspira, na paz e na concórdia, toda necessária transformação social, sem ódio e sem lutas de classes.
Páscoa é isso. Superar toda forma de mal que destrua a dignidade da pessoa humana. É descobrir sempre de novo que Deus é tudo para nossa salvação e sem ele nada foi feito e nem pode existir.
Páscoa é caminho de paz, de santificação, de amor que tudo supera e tudo ilumina.
Feliz Páscoa!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora
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