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Páscoa Definitiva de Dom Henrique Soares da Costa, verdadeiro semeador do trigo

Dom-Henrique-scaledNosso coração ficou partido, ferido, condoído com o inesperado e rápido falecimento de um dos mais admiráveis bispos do Brasil, nosso amigo, nosso irmão espiritual tão caro, Dom Henrique Soares da Costa, Bispo de Palmares (PE). Ele, na verdade, não era apenas Antístite de uma diocese do nordeste brasileiro. Era Pastor de todos, de milhares de jovens e adultos do Brasil inteiro e do exterior, a quem alimentava a vivência espiritual, através das mídias sociais e de tantos instrumentos de comunicação.

Trazia a todos a palavra certa sobre a fé, a orientação clara sobre a moral cristã e a catequese translúcida sobre a doutrina católica. Agia sem agressões, sem proselitismo, sem desamor. Em nossa Arquidiocese de Juiz de Fora, gozava de grande estima do clero, dos seminaristas e de tantos leigos que o conheceram, pois aqui esteve por cinco vezes, pregando dois Retiros para o clero, em dois turnos e, em novembro passado, assessorando no I Congresso Internacional de Educação Católica, promoção de nossa Arquidiocese.

Certamente, em alguns corações, uma pergunta pode estar latente: por quê? Por que, meu Deus, ele partiu assim tão cedo, com apenas 57 anos, com um trabalho tão importante, tão grande em favor de Jesus Cristo por este mundo afora, no vigor de sua saúde só comprometida, há poucos dias, pela Covid-19? Por que assim, tão de repente? Esperávamos ser atendidos em nossas preces!

Será que podemos fazer estas perguntas? Eu responderia que sim. Elas não são ofensivas a Deus, pois Ele, como Pai Bondoso, entende a dor dos filhos. Também Jesus chorou diante da morte de Lázaro, quando Marta lhe disse: “Se estivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,20). Entre as lágrimas, ao perder seu amigo, Jesus a consola: “Teu irmão ressuscitará (Jo 11, 23). Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim não morrerá para sempre” (Jo 11, 26). Também aos discípulos de Emaús, entristecidos pela morte de seu Mestre, o Senhor bondoso e misericordioso não abandonou, mas se pôs a caminho com eles, lhes recordou a fé, alimentou-os com a Eucaristia (cf Lc 24, 13-35). Também, nesta hora, o Senhor se põe a caminhar conosco em todo o Brasil, para nos fortalecer com a Palavra e com a Eucaristia, força de vida para esta terra, sinais amorosos do céu, onde não há dores, nem lágrimas, nem doenças, nem pandemias, nem dúvidas.

A palavra de Deus vem sempre em nosso socorro. No domingo anterior à morte de nosso planteado Dom Henrique, iniciamos, na liturgia, a leitura do capítulo 13 do evangelho de São Mateus, que nos apresenta sete parábolas de Jesus. Ao velarmos seu corpo à distância, no 16º Domingo do Tempo Comum, que neste ano caiu em 19 de julho, líamos mais três parábolas do referido texto de São Mateus: a do trigo e o joio, a da semente de mostarda e a do fermento na massa. Em cada uma delas, pudemos descobrir sentido na vida de Dom Henrique, semeador incansável da Palavra, doador ardoroso do trigo sagrado dos sacramentos.

Se na imagem da semente vemos a Palavra que é mais que vocábulos, mas a própria pessoa de Jesus, Verbo Encarnado, no trigo que, ao final da história, será recolhido nos celeiros de Deus, vislumbramos a Eucaristia que é o corpo ressuscitado do Senhor, a nós dado em alimento salutar, como afirmou Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; quem come deste pão viverá eternamente” (Jo 6, 51).

Toda palavra semeada no campo deste mundo sofrerá o desafio do joio, que o maligno semeia e vai embora. São as forças contrárias à ação de Deus na missão dos seus discípulos. Também Dom Henrique, como todo verdadeiro profeta (veja bem, estou falando de verdadeiro profeta, não de qualquer pessoa que se arvore em ser profeta), sofreu a pressão do joio que quis dificultar sua ação apostólica. Porém, nunca se abalou com isto, pelo contrário, sempre respondia com um sorriso, com o seu jeito de ser bem nordestino. Jesus também sofreu oposição, mas não se revoltou contra as forças que lhe eram contrárias.

De fato, quanto ao joio, o Senhor nos ensinou a não nos preocuparmos em arrancar apressadamente a praga, devendo esperar o dia da colheita. Os anjos se encarregarão de separá-la do trigo. A parábola nos convida a aprender a imensa paciência de Deus com aqueles que erram, esperando que retomem ao bom caminho. Como se trata de uma comparação, o joio aqui não é joio, nem o trigo é trigo. Trata-se de pessoas humanas. Jesus está falando de gente. Neste campo, na seara de Deus, o joio pode até se transformar em trigo, alegrando o coração do Senhor. Por isso, o Senhor é paciente, é bondoso, é compassivo, é fiel, como cantamos no salmo de meditação.

A primeira leitura daquela última missa dominical de Dom Henrique, da qual participou já do alto, era do Livro da Sabedoria. Falava da bondade infinita de Deus, que tem a paciência de esperar a transformação interior das pessoas. Oxalá, no fim da história não fosse necessário queimar nenhum joio, porque todos teriam se convertido em bom trigo! Mas sabemos que não é esta a realidade, por isso o Senhor lamenta ao dizer que os joios que perversamente teimarem no seu caminho de erro, infelizmente terão seu fim desastroso, infernal. Era visível o esforço de Dom Henrique de tentar evitar este desastre para quem quer que fosse, procurando converter, trazer para a Igreja, para a casa do Senhor, todas as pessoas.

A segunda parábola ensina sobre o valor das pequenas coisas no Reino de Deus. A semente de mostarda é a menor de todas as sementes, mas produz árvore grande, onde os pássaros podem fazer ninho em seus ramos e produz frutos. O amor de Deus não se mede pelas coisas volumosas e vistosas, mas pelos gestos muitas vezes escondidos no coração, pois um copo de água fria dada a alguém por amor terá recompensa no céu (cf. Mt 10, 42). Jesus certo dia rezou: “Eu te dou graças, ó Pai do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25). Os pequenos gestos de bondade que fazemos têm grande valor diante Deus. Quantas vezes nosso Dom Henrique insistiu nestas palavras!

Além do galardão final que é o céu, onde ele hoje penetra qual Elias arrebatado em redemoinho de vento, continuará, contudo, vivendo entre nós, pela memória inesquecível e até com os vídeos, os áudios, as videoconferências que gravou. Tudo aquilo que ele registrou e que foi registrado sobre ele ficará à nossa disposição para vermos quantas vezes quisermos e bebermos da sabedoria de Deus por aquelas reflexões tão puras e tão profundas. Todos os que amam a Cristo podem continuar o trabalho que ele vinha desenvolvendo, se não com a força do carisma que lhe era próprio, ao menos com pequenos serviços em favor da causa de Cristo, a fim que seja mais conhecida e mais amada.

A terceira parábola é a do fermento que leveda a massa. Ser fermento é estar no meio dos outros de tal forma que nem seja necessário falar para comunicar o amor de Deus. A fé, a paz que se comunica através do comportamento, dos diálogos, da presença, pode ser fermento que leveda massa que ainda não tinha recebido nenhuma força para crescer.

Aprendamos com esse discípulo de Jesus, que hoje, aos 57 anos, parte para a eternidade. Ele vai para o alto, mas deixa para nós muitos exemplos. Oxalá, nós tivéssemos a sorte do profeta Eliseu, quando viu o profeta Elias ser arrebatado para o céu e dele cair o manto, do qual havia pedido ao menos uma parte. Dom Henrique deixa para nós, também, o manto da sua sabedoria, da sua humildade, do seu amor, do seu desapego. Ele foi grande pregador da verdade, grande semeador da palavra, grande exemplo de amor a Deus e a Maria, mãe do Senhor, terra fertilíssima onde a Palavra deu o melhor fruto.

Dom Henrique, vítima da Covid-19, interceda junto de Deus por nós, para que, neste tempo de pandemia, possamos crescer na fé, no exercício da espera da Eucaristia e, ao recomeçarmos o que estão chamando de novo-normal, sejamos muito mais de Deus do que somos, muito mais fiéis do que antes, muito mais frequentes do que no passado, muito mais solidários e irmãos que sempre fomos.

Senhor, nosso Deus, nós temos o coração doído, mas muito mais agradecido. Vós compreendeis as nossas lágrimas, recolhei também a nossa gratidão. Obrigado, meu Deus, por ter nos dado Dom Henrique Soares da Costa como Bispo em nossa pátria e na pátria do mundo. Que venham outros iguais!


Dom Gil Antônio Moreira

Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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