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Fé na Copa do Mundo

Brasil coracao heartl A Copa Mundial de Futebol mexe com todo o globo terrestre. Do oriente ao ocidente, do norte ao sul, dos países pobres aos países ricos, negros, brancos, amarelos e vermelhos, culturas se encontram e, em geral, reina a paz.

Paro um pouco diante de atitudes religiosas dos jogadores e das torcidas. Vindos de crenças diferentes, assistimos, não raras vezes, expressões de fé e gestos de oração que aparecem nas telas da mídia. Certamente, muitas não são focalizadas e tantas são guardadas apenas no segredo da mente e no silêncio do coração. Diz o ditado: “Coração dos outros é terra a que ninguém vai”. Entre os torcedores, são muitas as expressões espirituais e há gente que até faz promessa para sua esquadra ganhar.

No dia 18, segunda-feira passada, a seleção do Panamá, que estreava no campeonato mundial, mesmo tendo sido derrotada pela Bélgica por três a zero, se ajoelha para rezar em ação de graças.

Que gesto bonito! Lembrei-me de uma frase escrita numa quadra de futsal, na cidade de Divinópolis, onde, adolescente, fazia meu curso ginasial. Estava escrito algo assim: “Mais importante que vencer é competir”. Entendi, diante do gesto eloquente do time do Panamá, que competir já é vitória, pois estar ali é sinal de que se encontra entre os melhores do mundo. E quando vi que jogaram bem, mas não conseguiram fazer nenhum gol, concluí que mais vale a vitória da honra que o sucesso nas disputas, e que mais alto que as recompensas humanas, está a fé que nos faz superar momentos de eventuais derrotas no caminhar da vida. Na verdade, muitas coisas que parecem derrota, muitas vezes vão se revelar como vitória mais à frente. Quem é cristão entenderá bem isto, pois em Cristo tal fato se evidenciou inconteste.

Naquele mesmo jogo, uma cena chamou a atenção do mundo e emocionou os que têm fé. Um jogador da Bélgica e outro do Panamá, sem nem perceber o que o outro estava fazendo, ao mesmo tempo, e muito próximos um do outro, se ajoelham para rezar. São dois países cristãos. Certamente aqueles atletas receberam educação religiosa de suas famílias, e no coração percebem, desde a infância, que Deus está e deve estar sempre em primeiro lugar em tudo. Nada pode, de fato, se antepor a Deus em nossa vida e nem em nossas competições. Fazendo o sinal da cruz, com o qual ambos se persignaram, expressam sua fé católica.

Mas vemos também expressões típicas de outras correntes cristãs, como protestantes, pentecostais, ortodoxos e não cristãos. São sinais inequívocos de que, além das disputas esportivas, além do desejo legítimo de ganhar o título e levar a taça, há no coração humano algo maior, mais importante, duradouro e invencível, que é Deus.

Reveste-se de sacralidade também o gesto de solidariedade praticado pela Islândia, que pousou com uma camisa estampada com o nome de Carl Ikene, nigeriano, goleiro da esquadra, porém que não pode ir à Copa da Rússia por causa de um câncer, contra o qual está lutando com pesados tratamentos.

São Paulo Apóstolo se serviu desta realidade para expressar sua firme convicção, ao fim do jogo da vida. Escrevendo a Timóteo, professa: “Combati o bom combate, terminei minha corrida, guardei a fé. Desde agora, me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia, não somente a mim, mas também a todos os que tiverem esperado com amor a sua volta” (2ª. Tim 4, 7-8).

Também através das copas, Deus se manifesta carinhosamente aos seus filhos.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

Vida Monástica, Eloquência do Silêncio e Alicerce da Igreja

A vida contemplativa é um dos maiores dons que Deus tem dado à Igreja. Nela o silêncio fala. Através dele se pode escutar a Deus, ouvir seus segredos de amor incondicional. No mundo tão barulhento da atualidade, encontra-se nos mosteiros o oásis da paz, frente às frustrações mundanas, o ensurdecedor barulho das coisas frívolas e a aridez das coisas materiais.

À entrega total e indivisível a Deus, pelos votos da Obediência, Pobreza e Castidade, diariamente renovados no silêncio da alma, corresponde também um natural desafio para enfrentar as forças negativas do egoísmo, do egocentrismo, da vaidade, do orgulho, dos desânimos e de tantas outras situações desafiadoras.

O lema Ora et Labora (Reze e Trabalhe) de São Bento de Núrcia (480-547), considerado Pai dos Monges do Ocidente, imprime no coração dos seus filhos e filhas que vão se multiplicando na história desde aquele século 5º, o sentimento de que tudo o que fazem é para Deus e só para Deus. O pensamento prossegue ao se ler na Regra Monástica a expressão Christo nihil praeponere (Nada se anteponha a Cristo), utilizada antes por São Cipriano (250-304) e Santo Agostinho (354-430), mas revalorizada por São Bento, impulsionando os homens e as mulheres dos claustros a não descuidarem deste princípio diante de tudo o que devem realizar. Contemplar o rosto de Cristo antes de qualquer decisão é sinônimo de segurança e antecipação da vitória, pois quem segue a Cristo nunca erra o caminho, nunca foge à verdade e experimenta a vida que nem a morte destrói.

Nos umbrais da entrada da Arquiabadia do Monte Cassino, na Itália, onde se encontram os restos mortais de São Bento e de sua irmã gêmea, também monja, Santa Escolástica, se lê a máxima “Succisa Virecit” (cortada reverdece). O dístico latino traduz a certeza do monge e da monja de se disporem ao serviço de Deus sem medo e sem preocupações, pois quando se sente a dor dos cortes, nos caminhos do amor divino, tem-se certeza absoluta de que algo melhor virá, uma vez que a planta, quando podada, toma novo vigor para dar frutos mais belos, mais abundantes e mais saborosos. Como tudo mais nos mosteiros, isso está em plena sintonia com o evangelho, onde Cristo afirma: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o poda para dar mais fruto ainda” (Jo 15, 1-2).

Nossa cidade de Juiz de Fora é agraciada por ter em seu recinto urbano um destes lugares santos, recanto de paz espiritual, de estudo e vivência diuturna da Palavra de Deus, de genuína liturgia, que é o Mosteiro de Santa Cruz, da Ordem Beneditina feminina.

Na continuidade da obra santa de Madre Paula Iglésias, que conduziu o Mosteiro por 29 anos e depois de seu falecimento ocorrido no dia 23 de abril último, foi eleita nova Abadessa na pessoa de Madre Maria de Fátima, cuja bênção abacial recebeu no dia 9 de junho. Feliz coincidência fez com que esta liturgia viesse a ser celebrada na memória do Imaculado Coração de Maria, pois nada é mais belo que contemplar o coração de uma mãe, melhor ainda sentir o pulsar do coração da Mãe de Deus e nossa, da Mãe da Igreja que é perpétua inspiradora da missão das abadessas, nos cuidados maternos de suas coirmãs, no Mosteiro que Deus lhes entrega para coordenar e presidir. A palavra “abadessa” significa “mãe”, termo originário da língua hebraica. Maria, que se colocou plena e indivisivelmente à disposição do Altíssimo, é o modelo acabado para a vivência do lema abacial escolhido pela nova Abadessa: “A serviço de Deus”.

Os mosteiros, locais privilegiados de oração e silêncio, funcionam, na Igreja, como raízes da árvore e alicerce do edifício, pois, ainda que escondidos, são básicos para a vida da mística planta e para a segurança da construção eclesial.


Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

A Paz de Cristo

Antes de receber o Pão eucarístico, maior riqueza para os cristãos, eles se saúdam com um gesto de fraternidade dizendo: “A Paz de Cristo!”. De fato, a paz é um dom precioso e condição inequívoca para se entrar em plena comunhão com o Senhor. Como poderia receber em si, misticamente, a pessoa do Salvador, se não acolhesse, não perdoasse, não aceitasse, não amasse seu irmão, mesmo se este fosse seu inimigo? Ao momento da instituição da Eucaristia, às vésperas de seu sacrifício na cruz, o Mestre ensinou a seus discípulos seu único mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Anteriormente, havia sido ainda mais explícito: “Amai os vossos inimigos, rezai pelos que vos perseguem” (Mt 5, 44).

Quando acontecem situações conflituosas, a paz fica ameaçada. Muitas pessoas se deixam levar pela tentação da vingança, e, descuidadamente, podem cair nas malhas do ódio ainda que disfarçado. É preciso atenção, pois tais atitudes são obra do maligno. Entre os Apóstolos houve também esta experiência negativa. Ao ver a absurda injustiça que os poderes públicos faziam contra Jesus, ao momento da prisão de seu Mestre, um de seus discípulos apelou para a violência. Arrancou sua espada da cintura e chegou a ferir Malco, um dos servos do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha. Cristo o repreendeu com veemência: “Embainha tua espada, pois todos os que usam da espada, pela espada morrerão” (Mt 26, 51).

O nascimento de Cristo foi anunciado pelos anjos que cantaram, e nós ainda cantamos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra a todos os que o amam” (Lc 2,14). Também, ao final da sua missão na terra, suas palavras foram lição de paz. No alto de seus terríveis sofrimentos na cruz, reza: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem!” (Lc 23,24).

Os males atuais, como o relativismo, o individualismo e o materialismo podem comprometer a paz. Bento XVI afirmou: “Há uma ligação íntima entre a glorificação de Deus e a paz dos homens na terra... sem uma abertura ao transcendente, o homem cai como presa fácil do relativismo e, consequentemente, torna-se-lhe difícil agir de acordo com a justiça e comprometer-se pela paz” (Discurso ao Corpo Diplomático, jan. 2013).

Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz do corrente ano de 2018, iniciou com os seguintes termos: “Paz a todas as pessoas da terra! A paz, que os anjos anunciaram aos pastores na Noite de Natal, é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua falta” (Mensagem 01 01 2018).

A reivindicação da justiça social é legítima, porém é necessário que seja feita nos princípios da paz, sem violência. Esta foi a característica da greve dos caminhoneiros acontecida há poucos dias. Se houve algum ato de violência não partiu dos mesmos, mas foi praticada por oportunistas que pretendem a desordem e, certamente, não creem na Palavra de Cristo.

Com Cristo Eucarístico, cuja festa nós cristãos celebramos há poucos dias, lutemos pela paz, pois ela interessa a todos.


Dom Gil Antônio Moreira

Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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